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Josias de Souza

Lula compara partido a Tiradentes: ‘PT é imortal’

Josias de Souza

09/08/2017 21h06

À espera do julgamento do recurso judicial que pode convertê-lo em ficha-suja, Lula realizou nesta quarta-feira mais um ato de sua campanha fora de época. Postulante ao posto de vítima, discursou à noite para petistas de Franco da Rocha (SP). Disse que os ataques que lhe fazem são endereçados, na verdade, ao PT. E comparou a legenda a ninguém menos que Tiradentes. "O PT é imortal", declarou a certa altura.

Disse Lula: "Esse país teve um homem chamado Tiradentes, que ousou começar a organizar o povo para lutar pela independência do Brasil. […] E resolveram matar esse cara. Mataram o cara, esquartejaram o cara, salgaram a carne dele e penduraram no poste, pra ninguém esquecer. O que aconteceu de verdade? O fato de você matar a carne não significa que você matou as ideias. E as ideias de independência desse país continuam…"

Mesmo sabendo que ninguém mais desconhece que os dois maiores escândalos da República —o mensalão e o petrolão— têm origem no seu reinado, Lula acredita que ainda pode dizer o que bem entender. Construiu um enredo de fábula. Nele, o PT é uma agremiação imaculada, que resiste às supostas tentativas de esquartejamento político.

"Desde dezembro de 2014 que eu disse que eles estavam querendo criminalizar o PT", disse Lula, antes de emendar que, no vaivém das estatísticas, o partido continua ostentando "32% da preferência nacional" a despeito dos escândalos. "Eles precisam perceber que o PT é imortal, porque o PT é um conjunto de ideias. Não vão conseguir destruir o PT porque a ideia que o PT significa é muita coisa. […] O povo aprendeu a pensar com a sua cabeça, não quer mais ser mandato, não quer ser coadjuvante. Passou a ser sujeito da história."

Lula fala das conquistas do seu governo sem mencionar que o poste Dilma Rousseff, eletrificado por ele um par de vezes, desfez tudo o que seu criador considera ter feito. Se Deus escolhesse um lugar para viver, não ousaria escolher senão o Brasil idealizado de Lula. Como não pode, o próprio Lula o substitui.

Condenado a nove anos e meio de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula fala como se o país inteiro estivesse disposto a pegar em lanças caso a Justiça se atreva a passá-lo na chave. "Se o problema é tentar evitar que o Lula seja candidato, isso não é problema. O problema do Brasil não é o Lula, são os milhões de lulas que existem nesse país —mulheres, homens e crianças que aprenderam a ter confiança."

Lula insinua que sua punição prejudicaria "204 milhões de habitantes desse país." O todo-poderoso do petismo lamenta tanta injustiça: "O que eu não acho justo é tentar prejudicar o país inteiro…" O orador ensinou à plateia que brigar por ele é como brigar por si próprio.

"A briga não é minha. A briga é nossa", disse Lula. "Vocês têm sempre que ter em mente: eu não sou eu, eu sou o resultado de vocês. Eu sempre disse: eu sou o resultado do crescimento da consciência política do povo brasileiro."

Esse mesmo tipo de lero-lero estimulou a ilusão de que o impeachment de Dilma incendiaria as ruas. Depois, propagou-se a fantasia de que o país entraria em combustão se Lula fosse condenado. Dependendo do veredicto do TRF-4, sediado em Porto Alegre, o grande líder logo perceberá que o pior tipo de solidão é a companhia dos presos da Lava Jato, em Curitiba. (Assista no vídeo abaixo o ato petista de Franco da Rocha. O discurso de Lula começa aos 7min52s)

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.