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Josias de Souza

Janot ‘limpa’ a cena antes da chegada de Dodge

Josias de Souza

05/09/2017 16h42

No momento, o maior inimigo de Rodrigo Janot é o relógio. Se pudesse, o procurador-geral da República atrasaria os ponteiros. Como não pode, cuida dos minutos, porque suas horas passam. Janot dispõe de menos de 12 dias para tentar livrar o acordo de colaboração judicial do Grupo JBS das impurezas que o enodoam.

Ou Janot faz a limpeza, vendendo-a como evidência de que "não se pode ludibriar impunemente o Ministério Público e o Poder Judiciário", ou transferirá a higienização à sucessora Raquel Dodge, uma crítica reservada dos termos do acordo firmado com a JBS. Se não agir até 17 de setembro, quando expira o seu mandato, Janot passará à história como um xerife ludibriado.

Janot sabia onde pisava quando menosprezou a virada de casaca de Marcelo Miller, o amigo que era procurador da Lava Jato e amanheceu um certo dia como sócio de uma banca advocatícia privada, a serviço da JBS. Chegou mesmo a justificar o injustificável. Miller negociara o acordo de leniência do conglomerado, não a delação, dissera Janot, sem se dar conta de que negligenciava um escândalo.

De repente, uma trapaça do destino atravessou na trilha de Janot a gravação na qual os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud admitem que o acordo que lhes rendeu a imunidade penal tem as digitais da mão grande de Marcelo Miller. E Janot descobre da pior maneira que, às vezes, o escândalo é tão escancarado que é impossível não reagir, mesmo que seja com uma pantomima.

Feita a lambança, Janot tenta tomar a toque de caixa as decisões que escolheu não adotar entre a notícia sobre a movimentação de Miller nas coxias da JBS e o surgimento do áudio tóxico –uma gravação desastrada, que os próprios delatores enfiaram no meio do papelório entregue à Procuradoria na semana passada, como complemento de sua delação.

Janot ganhou um estímulo extra para agir. Ele sabe que a sucessora Raquel Dodge não hesitará em adotar as correções que ele deixar de fazer. A essa altura, não há mais espaço para a preservação da imunidade penal concedida aos criminosos da JBS. O que se discute é se Joesley e Cia. serão presos logo ou mais adiante. A responsabilização do ex-procurador Marcelo Miller tornou-se imperiosa.

Contra esse pano de fundo, a segunda flechada de Janot em Michel Temer, por mais forte que seja, parecerá um asterisco se o processo da delação não estiver saneado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.