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Josias de Souza

Dez mandamentos de Dilma começam com não

Josias de Souza

07/09/2017 18h23

A honestidade de Dilma Rousseff tornou-se uma virtude negativa, meio fugitiva. À medida que a Lava Jato avança, a presidente deposta vai enumerando os dez mandamentos de sua honra. Todos começam com não.

"Não roubei, não deixei roubar, não fui complacente com o malfeito, não há dinheiro ilegal nas minhas campanhas, não autorizei João Santana a receber pagamentos no exterior, não troquei mensagens com Mônica Moura numa conta de e-mail clandestina, não avalizei o caixa dois, não deleguei a Guido Mantega a tarefa de coletor de verbas eleitorais, não conversei sobre transações escusas com Marcelo Odebrecht, não beneficiei a construtora em licitação de aeroporto…"

As confissões de João Santana e Monica Moura, o casal do marketing petista, já haviam injetado na ficção de Dilma alguns fatos desconcertantes. A deduragem de Antonio Palocci, rebatida por Dilma,  mergulha a criatura de Lula em sua realidade 100% escorada no vocábulo de negação.

O problema de Dilma não é a incapacidade do brasileiro de reconhecer a honestidade de sua ex-governante, mas a incapacidade de madame de demonstrá-la. De resto, como já foi mencionado aqui certa vez, Dilma faz lembrar um personagem secundário do enredo de Júlio César, obra de Shakespeare.

Na peça, atiçados por Marco Antonio, os plebeus saem à caça dos assassinos do imperador. Encontram Cinna. "Matem-no, é um dos conspiradores!", alguém grita. "Não, é apenas Cinna, o poeta", retruca uma voz ao fundo. "Então, matem-no pelos maus versos."

As perversões confessadas por Palocci já seriam suficientes para arrancar Dilma de sua ficção. No momento, porém nada conspira tanto contra fábula de madame quanto os R$ 51 milhões apreendidos no apartamento de Ali-Babá que Geddel Vieira Lima mantinha em Salvador.

Palocci foi ministro de Dilma. Geddel ocupou a vice-presidência de Pessoas Jurídicas da Caixa Econômica Federal no governo da doutora. Alguém pode perguntar: "De que serve a honestidade presumida de Dilma?" E uma voz vinda do Além sentenciará: "Que seja condenada pelos maus versos."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.