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Josias de Souza

General Mourão passou a ser o menor problema

Josias de Souza

22/09/2017 04h44

Ao contrário do que se imaginava, o general Hamilton Martins Mourão, personagem capaz de tudo, inclusive de defender a tomada do poder pelos militares, não é o principal problema surgido na última semana. Descobriu-se que há males que vêm para pior. Eis o verdadeiro problema: os superiores de Mourão, que deveriam punir sua indisciplina, revelaram-se incapazes de todo. Ficou boiando no ar a impressão de que o civil Michel Temer, presidente condecorado com duas denúncias inéditas, busca a condescendência dos militares para permanecer no cargo.

Faz exatamente uma semana que Mourão defendeu a intervenção militar como resposta à deterioração moral do Executivo e do Legislativo. "Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ', Pô, por que que não vamo derrubar esse troço todo?'", ele perguntou numa palestra, antes de informar qual é a sua "visão" da conjuntura: "…Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso."

Com um atraso de três dias, Raul Jungmann, ministro civil da Defesa, soltou uma nota oficial para assegurar que discutiria com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, a adoção "das providências cabíveis". No dia seguinte, o ministro foi, por assim dizer, desautorizado por Villas Bôas. "Punição não vai haver", declarou o comandante, numa entrevista em que chamou o transgressor de "grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão". E ainda insinuou que concorda com o amigo, ao propagar o exótico entendimento segundo o qual, na "iminência de um caos", a Constituição concede às Forças Armadas "um mandato" para intervir.

Nesta quinta-feira, depois de conversar com o ministro Jungmann, o comandante Villas Bôas emitiu uma nota. Nela, fez um enorme esforço para se reposicionar em cena. "O Exército Brasileiro é uma instituição comprometida com a consolidação da democracia em nosso país", escreveu. Noutro trecho, acrescentou: "Em reunião ocorrida no dia de ontem, o comandante do Exército apresentou ao sr. ministro da Defesa, Raul Jungmann, as circunstâncias do fato e as providências adotadas em relação ao episódio envolvendo o General Mourão, para assegurar a coesão, a hierarquia e a disciplina."

Decidido a administrar o problema com a transparência de um cristal de requeijão cremoso, o comandante do Exército não se dignou a informar que "providências" adotou. Sabe-se apenas que não puniu Mourão. Em privado, alegou-se que uma punição transformaria o indisciplinado em herói da caserna. A desculpa apenas confirma que Mourão não blefava quando disse, há uma semana, que sua visão intervencionista "coincide com a dos meus companheiros do Alto Comando do Exército."

Até bem pouco, quando alguém dizia estar preocupado com os militares, sempre surgia uma voz tranquilizadora: "Militares? Mas eles não estão nos dando nenhum motivo para preocupação". Isso é o que deveria ter preocupado a todos. Os militares estavam quietos demais. "Nós temos planejamentos, muito bem feitos", avisou Mourão há uma semana. "Chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil, trará problemas, podem ter certeza disso aí."

Como um absurdo sempre puxa outro, Mourão já dispõe até de representação no Congresso. O deputado Cabo Daciolo (PTdoB-RJ) gravou um vídeo para trombetear na internet seu apoio ao general. Pediu o fechamento do Congresso. Nesse ritmo, talvez nem seja necessário. Fechar o Legislativo sempre pega mal. Os militares podem economizar a gasolina do tanque, deixando o Parlamento aberto e desmoralizado.

Ironicamente, Temer já se encarregou de potencializar a desmoralização do Congresso. O mais escandaloso do festival fisiológico adotado para converter o plenário da Câmara em cemitério de desova de denúncias vivas não é nem o desdém pelo recato, mas a facilidade com que Temer, com a popularidade na casa dos 3%, ainda consegue obter a adesão dos parlamentares. Deve estar até meio arrependido, achando que poderia ter comprado a mesma cumplicidade com menos cargos e verbas públicas.

O pseudo-presidente da República ainda não disse uma mísera palavra sobre o intervencionismo de Mourão. Talvez cogite chamar o general para uma conversa. Quem sabe se anime a solicitar a concessão de sua permanência no cargo. Uma Presidência militar com fachada civil seria um grande disfarce. Com sorte, o general Mourão concordará. Decerto fará uma exigência: "Pode ficar, mas de quepe!"

O Planalto avalia que a reunião de Jungmann com Villas Bôas resolveu o problema chamado Mourão. Engano. A encrenca mal começou! Em verdade, o problema atingiu o topo da hierarquia. O brasileiro gosta tanto de piada que passou a ser presidido por uma.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.