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Josias de Souza

Temer já não dirige os fatos, é dirigido por eles

Josias de Souza

26/10/2017 03h27

Admita-se que antes do enterro da segunda denúncia criminal contra Michel Temer na Câmara o presidente perseguia três objetivos: ampliar os 263 votos que garantiram o sepultamento da denúncia anterior, compensar o assanhamento do centrão com uma redução pela metade da dissidência de 21 votos do PSDB e retomar a pose de presidente reformista. No final do dia, Temer contabilizava 12 aliados a menos (251), dois dissidentes tucanos a mais (23), uma passagem pela emergência do Hospital das Forças Armadas e uma frase que destoava de sua condição política: "Tô inteiro", disse, referindo-se à obstrução na uretra que o retirara de combate.

Virou fumaça a ideia de que Temer, livre do par de denúncias que a Câmara congelou, poderia voltar a dirigir os rumos do país nesta ou naquela direção. Nos próximos dias, o presidente se esforçará para demonstrar que ainda faz e acontece. Mas os fatos se encarregarão de revelar que, a despeito de ter permanecido no volante, Temer já não dita o rumo às forças contraditórias que gravitam ao seu redor. Em vez de governá-las, é governado por elas.

Numa entrevista concedida após o fechamento do caixão da segunda denúncia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, soou como se enxergasse na debilidade de Temer uma oportunidade a ser aproveitada. Revelou a intenção de colocar em pé uma ambiciosa agenda legislativa. Nela, há tópicos que interessam a Temer, como uma versão lipoaspirada da reforma da Previdência. Mas há um lote de projetos que entrarão na pauta à revelia do Planalto. Tratam de temas tão diversos como segurança pública, planos de saúde e políticas sociais direcionadas à juventude.

Por trás da ambição legislativa de Maia esconde-se outro fenômeno que contribuirá para o estreitamento da margem de manobra de Temer: 2018. A um ano das eleições gerais, os atores da política tendem a ajustar seus atos aos humores do eleitorado. Significa dizer que Temer terá maiores dificuldades para aprovar as medidas fiscais impopulares que a Casa Civil da Presidência engavetara à espera do enterro da segunda denúncia.

Com o tucanato em pé de guerra, o Planalto ficará nas mãos do PMDB e das siglas do centrão: PR, PP, PTB e PSD. Se a votação desta quarta-feira demonstrou alguma coisa foi que os membros dessas legendas já não aceitam cheques pré-datados de Temer. Só operam na base do pagamento antecipado. E o presidente parece não ter muito mais a oferecer. O centrão opera como se fosse um estômago hipertrofiado. Insaciável, passará a cobrar de Temer parte dos quatro ministérios do PSDB.

Oficialmente, o Planalto nega que os líderes do centrão e o ministro tucano da coordenação política, Antonio Imbassahy, estejam em pé de guerra. Alega-se que eles não discutem. Na verdade, nem se falam. Desde que o centrão desligou Imbassahy da tomada, a interlocução do Planalto com o antigo grupo político de Eduardo Cunha foi assumida pelo ministro Eliseu Padilha (Casa Civil). Temer gostaria de empurrar para abril a troca de cúmplices nos ministérios. O centrão irá azucriná-lo para antecipar a dança de cadeiras.

Impopular e fraco, Temer talvez não reúna forças para deter o centrão. Com seus 251 apoiadores, o presidente carrega uma cesta de votos menor do que os 257 que compõem a maioria absoluta dos 513 deputados. E está a quilômetros de distância dos 308 votos necessários à aprovação de emendas constitucionais —como a da reforma da Previdência, por exemplo. Sem as reformas —ou com reformas de meia-tigela—Temer perderá gradativamente o nexo. E vai a 2018 na condição de sparring. Terá de encontrar uma frase diferente da que pronunciou ao deixar o hospital na noite desta quarta-feira. Poderá dizer muitas coisas, menos "tô inteiro".

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.