Topo

Josias de Souza

Rodrigo Maia: "Torquato prejudicou investigações"

Josias de Souza

01/11/2017 20h43

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), engrossou o coro de críticas ao ministro Torquato Jardim (Justiça). A reação do deputado, porém, soou num timbre diferente do que vem sendo utilizado pelas autoridades do Rio de Janeiro. Eleito pelo Estado, Maia não se queixa do fato de o ministro ter apontado vínculos de policiais com o crime organizado. Reclama da generalização e do prejuízo que as palavras de Torquato devem impor ao combate dos crimes que o próprio ministro aponta. "Ele prejudicou as investigações. Sinalizou para o pedaço desonesto da polícia e para o crime organizado que eles são os alvos da força-tarefa que atua no Rio. […] Pode ter jogado tudo por água abaixo." Em viagem ao exterior, Maia falou ao blog pelo telefone. Vai abaixo a entrevista:

— O que achou do diagnóstico do ministro da Justiça sobre o setor de segurança no Rio de Janeiro? Eu me assustei com o que ele disse para você. Acho que o ministro Torquato não deve ter feito nenhum relato que não tenha alguma base de verdade. Mas ele não é um estudioso de segurança pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele é ministro da Justiça. São pesos distintos. Se eu, como presidente da Câmara, fizesse uma análise como a que ele fez, seria muito ruim. Mas não tenho a importância que ele tem nesse tema. Outra coisa é ele, que participa das operações desde o início, que montou junto com outros ministros uma força-tarefa com a Procuradoria-Geral da República justamente para investigar esse tipo de coisa. Não faz sentido que o ministro exploda com tudo numa entrevista. Esse é o tipo de entrevista que tem que ser dada depois de uma operação, com a apresentação dos resultados, jamais antes.

— Pretende tomar providências? Eu estava calado. Mas chega uma hora que não dá mais. Até porque estou sendo cobrado. Sou deputado pelo Rio de Janeiro. Primeiro ele disse aquelas coisas que você divulgou. Depois, vai para o jornal O Globo e reitera. E ainda diz que ninguém tem como desmenti-lo. Quer dizer: ele ataca, mostra o problema e quem foi atacado é que tem que se defender? Não faz sentido.

— Acha que o ministro exagerou? As declarações que você divulgou já eram desagradáveis. Mas quando o ministro revela a intenção de prosseguir, não dá para ficar calado. Há todo um esforço que vem sendo feito desde maio. A gente começou o trabalho. Verificou-se que de fato tinha vazamento mesmo. Foi sugerido à procuradora-geral Raquel Dodge a composição de uma força-tarefa para pegar os policiais que estavam cometendo crimes federais: tráfico de armas e de drogas. Poderia até se chegar a essa vinculação entre política, policiais e bandidos. Aí vem o ministro e vaza tudo antes! O que o Brasil e o Rio de Janeiro ganham com isso? Nada!

— Concorda que o problema apontado pelo ministro existe? Acho que o problema existe. Não sei se existe na intensidade que o ministro está colocando. Se é nessa intensidade, não será a Corregedoria da PM que tem condições de resolver.

— Por que demorou 24 horas para reagir? Na hora em que você divulgou as declarações do ministro, eu cobrei uma posição do governo. Fui informado de que ele daria uma outra entrevista, que resolveria o assunto. Só que a nova manifestação piorou o problema.

— Piorou em que sentido? Quero deixar claro que não estou defendendo toda a polícia. Mas também não acho que é toda a polícia que está contaminada. E não me parece que uma entrevista como a que você divulgou, desacompanhada de consequências, sirva para melhorar o ambiente no Rio. Ao contrário, só gera mais insegurança.

— Defende a demissão do ministro? Não me cabe tratar desse assunto de demissão. Há um mês, pedi a saída do secretário de Segurança do Rio. E acho que errei. A minha preocupação é outra.

— Qual é a sua preocupação? Tem uma operação, que é comandada pelo general Sergio Etchegoyen [ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional]. Tudo sem nenhuma pirotecnia. Era algo especial, para detectar tráfico de drogas e armas. Apurava-se se essas operações de fato foram vazadas de forma permanente por alguém. A tese é justamente a de que há uma associação da polícia com o crime organizado. Por isso, trabalhou-se tanto para a formação da força-tarefa, para que a Procuradoria-Geral pudesse entrar na investigação desses crimes federais, para pegar essa relação entre polícia e crime organizado. Isso tudo estava sendo feito.

— Acha que as declarações do ministro atrapalham? É evidente que o ministro Torquato não podia falar o que falou. Nem ele nem o Raul Jungmann [ministro da Defesa] e nem o general Etchegoyen. Aí ele vem e fala tudo! Qual é a consequência disso? Se você exerce uma posição de poder, suas declarações têm consequência. Ele prejudicou as investigações. Sinalizou para o pedaço desonesto da polícia e para o crime organizado que eles são os alvos da força-tarefa que atua no Rio. Acho que, na posição que o ministro ocupa, não cabia dar a entrevista da forma como ele deu. Seria cabível o seguinte: depois de um longo período de apurações, prendendo os policiais bandidos, mostrando que havia influência do tráfico nas operações, você daria uma entrevista para apresentar os resultados. Antes disso, ele pode ter jogado tudo por água abaixo.

— Pretende chamar o ministro para se explicar na Câmara? Ele já está chamado na Comissão de Segurança. Se o pessoal achar que ele pode falar no plenário da Câmara, ótimo. Mas não é um movimento para constranger ou desmoralizar o ministro. Ele é um homem sério, muito preparado. Não gostaria de estar criticando o ministro, porque gosto dele. Mas, antes de ser amigo dele, eu represento o eleitor carioca. E a população do Rio está muito sofrida. E o que ele fez não ajuda. Apesar de sabermos que parte do que ele falou tem muita chance de ser verdade, o fato de ele ter falado antes de ter executado a operação leva o trabalho dois passos para trás. O governo estava no caminho certo. A suspeita de vazamento indicou a existência de uma relação do crime com a polícia. Mas foi criada uma força-tarefa para pegar isso. Aí ele dá uma entrevista que, na minha opinião, desmonta tudo. Para o Rio, foi muito ruim.

— O que achou da decisão do governador do Rio de interpelar o ministro judicialmente? Não quero me misturar com essa decisão. Respeito o Pezão, tenho ajudado o Estado do Rio. Tenho cumprido o meu papel como deputado do Estado. Mas não quero negar que tem o problema. O meu desejo é o de separar o joio do trigo. Minha queixa é que o ministro misturou todo mundo. A essa altura, não dá para fazer declarações vagas. Amanhã, se descobrirem que os comandantes dos batalhões A, B e C são corruptos, vamos prender os três. Mas dizer que todos os batalhões são sócios do crime organizado é um exagero. Não queremos acobertar nada. Ao contrário, queremos que aprofunde a investigação. E isso é algo que não se faz pela imprensa. Investigação se faz em sigilo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.