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Josias de Souza

Ruralistas usam MP de Temer para se autoconceder uma farra previdenciária

Josias de Souza

06/11/2017 03h50

Fraco, impopular e às voltas com uma erosão em sua base de apoio congressual, Michel Temer tornou-se uma oportunidade que os ruralistas aproveitam ao máximo. Medida provisória editada pelo presidente para parcelar dívidas de produtores rurais foi transformada no Congresso numa farra previdenciária. Nela, os agroparlamentares se autoconcederam o esticamento do prazo, o perdão das multas, a redução da entrada e a eliminação das garantias exigidas pelo governo.

A medida provisória leva o número 793. Contém as regras de um parcelamento das dívidas de produtores rurais com o Funrural, a previdência dos trabalhadores do campo. Parecia apenas mais um privilégio no varejão do fisiologismo, em cujas prateleiras já estão uma portaria escravagista e um anteprojeto de arrendamento de terras indígenas a agricultores. De repente, virou algo muito parecido com um escárnio.

Chama-se Tereza Cristina (PSB-MS) a deputada escolhida para exercer a atribuição de relatora na comissão especial constituída para analisar a MP. Os ruralistas apresentaram emendas reivindicando tudo. E Tereza não hesitou em entregar. A comissão deve se reunir nesta segunda-feira. Se houver quórum, o novo texto será votado. São grandes, muito grandes, enormes as chances de ser aprovado.

Temer brindou o agronegócio com um parcelamento de suas dívidas previdenciárias em 180 meses (pode me chamar de 15 anos). Pelo texto original, os devedores teriam de pagar uma entrada de 4% do total da dívida, diluídos nas quatro primeiras parcelas. O resto seria dividido em 176 meses. Na versão de Tereza Cristina, a entrada cai para apenas 1%.

O texto que veio do Planalto concedia aos devedores que aderissem ao parcelamento um abatimento generoso no valor das multas: 25%. Na proposta que será votada pela Câmara, as multas são 100% perdoadas.

A MP condicionava o parcelamento de dívidas superiores a R$ 15 milhões à apresentação de garantias — cartas de fiança e seguros bancários, por exemplo. No projeto da relatora, esse tipo de exigência sumiu.

Deveriam ser excluídos do programa de parcelamento os devedores que deixassem de pagar três prestações consecutivas ou seis alternadas. Tereza Cristina modificou os termos da MP. Pela sua proposta, o devedor não será importunado se o atraso no pagamento for provocado por uma queda na safra.

Em vigor desde o dia em que foi publicada no Diário Oficial, a medida provisória de Temer fixara o dia 29 de setembro como prazo limite para a adesão ao parcelamento das dívidas do Funrural. A relatora propõe que o prazo seja esticado até 20 de dezembro. O upgrade que guindou o privilégio ao estágio de escárnio beneficiaria retroativamente todos os que já aderiram ao programa.

Costuma-se utilizar como pretexto para a concessão de refinanciamentos de débitos tributários e previdenciários a carga extorsiva de impostos que asfixia a iniciativa privada no Brasil. O argumento não é ruim. O problema é que passaram a coexistir dois guichês no fisco. Num, quem sonega é brindado com sucessivos parcelamentos. Noutro, quem deve paga suas dívidas e faz papel de idiota.

– Atualização feita às 21h22 desta segunda-feira (6): A comissão que trata da MP da rolagem das dívidas do Funrural iniciou a análise do texto da relatora Tereza Cristina. Um pedido de vista adiou a votação para esta terça-feira (7).

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

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