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Josias de Souza

Discurso de Tasso não orna com atos do PSDB

Josias de Souza

08/11/2017 19h48

Ao formalizar sua candidatura à presidência do PSDB, Tasso Jereissati pronunciou um belo discurso. Prometeu um programa partidário novo e um Código de Ética remodelado. Embrulhou tudo para presente ao declarar coisas assim: "Não adianta ficarmos unidos aqui e distantes do povo." Ou assim: "É possível fazer política com alta decência, ética e moralidade." Evocou Mário Covas: "Podemos até estar longe das benesses do poder, mas não podemos estar moucos aos ruídos das ruas." Será?

No mês passado, sob a presidência interina de Tasso, o tucanato do Senado distanciou-se do povo, esqueceu a decência e achou razoável meter-se num conciliábulo interno para salvar Aécio Neves, devolvendo-lhe o mandato e a liberdade noturna. De resto, o PSDB discute há quase seis meses a hipótese de desembarcar do governo de Michel Temer. Nesse período, fingiu-se de surdo e manteve-se grudado às benesses do poder como coral na rocha.

No momento, o que falta ao PSDB não é novo programa, outro código de ética ou palavras bonitas. Falta à legenda perceber que a sociedade já não é capaz de enxergar no ninho a alegada "alta decência". E o ninho não é capaz de demonstrá-la. O tucanato consolidou-se como um aglomerado partidário que nunca deixa para amanhã o que pode deixar hoje.

Aécio carrega um rastro pegajoso de nove inquéritos. E faz ao PSDB o favor de conservar o título de presidente licenciado do partido. Repete-se o fenômeno de Eduardo Azeredo, um ex-presidente tucano que, a despeito de já arrostar uma condenação criminal, mantém incólume sua ficha de filiação. Em Brasília, o velho e bom centrão está quase convencendo Temer a expurgar tucanos da Esplanada. E não há sinal de uma revoada voluntária de ministros emplumados.

Tasso chama de autocrítica o movimento que lidera. Simultaneamente, estufa o peito como uma segunda barriga para declarar: "Nos três últimos anos, o que nós vimos foi uma imensa onda escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresários em todos os partidos. O nosso, com certeza, foi o que menos sofreu. E menos sofreu porque o nosso partido tem os melhores quadros políticos no Brasil. São aqueles quadros que fazem política com ética, decência, moralidade e espírito público."

A pretexto de renovar, Tasso moderniza o léxico. Inventa a autocrítica a favor. Além de Aécio, estão enroscados em inquéritos grão-tucanos do porte de José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e até o presidenciável Geraldo Alckmin. O partido saiu da disputa sucessória de 2014 como principal força da oposição. Parecia fadado a retornar ao Planalto em 2018. Hoje, o frequenta a cena política como força auxiliar do PMDB. E Tasso acha que o prejuízo foi módico.

Com os olhos voltados para gramado vizinho, Tasso sataniza o antigo rival: "O PT está acomodado em seus erros, fingindo que não viu ou dizendo que não errou. Isso é grave." Ainda não se deu conta de que o grande adversário do PSDB é o seu próprio rabo. O partido adia para dezembro providências que deveria ter tomado anteontem. Esqueceu que sua obrigação é oferecer exemplos, não discursos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.