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Josias de Souza

Falta interesse público à guerra interna do PSDB

Josias de Souza

10/11/2017 16h42

Ganha um kit com a íntegra dos áudios e dos vídeos que expõem a ruína moral de Aécio Neves quem for capaz de apontar um mísero sinal de preocupação com o Brasil na guerra que o PSDB trava consigo mesmo em cena aberta. Se Aécio e Tasso Jereissati estivessem liderando facções em litígio por um projeto de políticas públicas capaz de injetar esperança na sucessão de 2018, muito bem. Mas não é disso que se trata. A causa mais visível da encrenca é uma disputa encarniçada pelo poder partidário. Os tucanos arrancam as próprias penas por interesses mais palpáveis do que o etéreo interesse público. Por exemplo: o controle de cofres de ministérios e da caixa registradora que receberá um naco dos R$ 2 bilhões do recém-criado fundo de financiamento eleitoral.

Ao anunciar sua candidatura à presidência do PSDB, Tasso comprometeu-se com o aprofundamento da autocrítica e disse que vem aí um novo e rigoroso código de ética do tucanato. Admita-se que a preocupação do senador com a moralidade seja genuína. Neste caso, poderia abrir o inventário dos erros com o fornecimento de uma resposta: por que transformou a agenda criminal de Aécio num processo de desmoralização partidária ao articular a unanimidade dos votos do PSDB a favor da anulação, no plenário do Senado, das sanções impostas pela 1ª Turma do STF ao investigado?

Ao explicar a destituição de Tasso do cargo de presidente interino do PSDB, Aécio declarou que seu objetivo é assegurar que a disputa do correligionário com Marconi Perillo pela presidência do partido "se dê em alto nível." Em timbre magnânimo, o ex-amigo de Joesley Batista acrescentou: "Me preocupa o PSDB sair da agenda ou da vanguarda das grandes reformas que precisam ocorrer no Brasil para se limitar a uma disputa interna." Se Aécio estivesse interessado com a altura do nível, teria evitado o rebaixamento do teto do partido, renunciando à presidência. De resto, não pode falar em vanguarda, a menos que pretenta começar pela promiscuidade arcaica que uniu seus interesses penais às conveniências de Michel Temer, seu parceiro de infortúnio.

Considerando-se o estágio de degradação da política, a qualquer hora, em qualquer partido político, algo de errado pode estar acontecendo. Isso é parte do jogo. O problema começa quando correligionários se metem em encrencas, como Aécio e outros tucanos, e a legenda finge que não é com ela. No artigo em que defendeu o desembarque do PSDB do governo Temer, Fernando Henrique Cardoso anotou que o PSDB "pode apresentar algum nome competitivo" em 2018. "Mas precisa passar a limpo o passado recente. Deveria prosseguir no mea-culpa […], sem deixar de dar a consideração a quem quase o levou à Presidência." Quer dizer: pediu complacência com Aécio, que perdeu o Planalto para Dilma Rousseff por muito pouco.

Tasso atendeu aos desejos de FHC, poupando Aécio em sua hipotética autocrítica: "Nos três últimos anos, o que nós vimos foi uma imensa onda escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresários em todos os partidos. O nosso, com certeza, foi o que menos sofreu. E menos sofreu porque o nosso partido tem os melhores quadros políticos no Brasil. São aqueles quadros que fazem política com ética, decência, moralidade e espírito público." Menos de 24 horas depois de ter feito essa declaração, o senador foi destituído por Aécio. E modulou o tom: "O meu PSDB não é o PSDB desses caras."

Em 2005, quando o mensalão mineiro do PSDB escalou as manchtes nas pegadas do mensalão do PT, o tucanato passou a mão na cabeça de Eduardo Azeredo, que presidia a legenda. Nessa época, como agora, os tucanos preferiam apontar os erros alheios. Criticavam a tesouraria petista de Delúbio Soares, anabolizada pelas mágicas financeiras de Marcos Valério, o mesmo parceiro de Azeredo. Desancavam o petista Waldomiro Diniz, que assessorava José Dirceu na Casa Civil e, simultaneamente, fechava negócios esquisitos à sombra.

O tucanato não se deu conta de que, assim como o PT flertava com o risco da desmoralização ao tolerar Delúbios e Waldomiros, o PSDB também comprometia o seu futuro ao tratar com "consideração" quem merecia punição. Ficou entendido que não havia inocentes na legenda. Condenado, Azeredo continua filiado ao partido. Nenhum correligionário jamais ousou representar contra ele no conselho de ética da legenda. Gravado num diálogo vadio com Joesley Batista, delatado por Marcelo Odebrecht e Cia., investigado em nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal, pendurado nas manchetes de ponta-cabeça, Aécio Neves é tratado com "consideração". De novo, verifica-se que só há no mundo dois tipos de tucanos: os culpados e os cúmplices.

Antes de se tornar porta-voz do desembarque, FHC dizia coisas assim: "Diante da circunstância brasileira, depois do impeachment [da Dilma], o que temos que fazer é atravessar o rio. Isso [o governo Temer] é uma ponte. Pode ser uma ponte frágil, uma pinguela? Tudo bem. Mas é o que tem. Se você não tiver uma ponte, você cai no rio. Não adianta fazer muita especulação." Beleza. A ponte balançou quando Temer foi delatado pela turma da JBS. Ruiu quando Temer entrou para a história como primeiro presidente da República denunciado criminalmente um par de vezes. O que fez o PSDB? Desperdiçou a sua hora. Caiu no rio. Contra esse pano de fundo, há duas possibilidades: ou o PSDB começa a se levar a sério, agindo dez vezes antes de pensar, ou o debate que incendeia a legenda no momento terá o peso de uma lápide.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.