Topo

Josias de Souza

Presidente da Câmara admite que foro privilegiado é excessivo e pede ajuste

Josias de Souza

25/11/2017 03h42

O presidente da Câmara reconhece: o foro privilegido "não pode ficar do jeito que está, é um excesso." Em entrevista ao blog, Rodrigo Maia (DEM-RJ) informou que articula uma proposta de emenda constitucional para ajustar o mecanismo. Já conversou com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ouvirá o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), neste domingo. E marcou para a próxima terça-feira encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia. "Chegaremos a um texto de consenso e de bom senso", afirmou.

Maia classificou de "corretíssima" a posição que prevaleceu no plenário do Supremo, na última quinta-feira, pelo placar provisório de 7 a 1. A fórmula foi sugerida pelo ministro Luís Roberto Barroso. Prevê uma redução da abrangência do foro privilegiado. Valeria apenas para os crimes praticados no exercício do mandato e em função do cargo. Todos os outros delitos desceriam da Suprema Corte para a primeira Instância do Judiciário. "Se fizermos isso por meio de uma emenda constitucional, aprovada na Câmara e no Senado, estaremos legitimando de forma democrática a decisão do Supremo", declarou Maia.

O deputado aplaudiu o gesto do ministro Dias Toffoli, que pediu vista do processo, impedindo a proclamação do veredicto do julgamento sobre o foro. "Foi importante, porque dá a todos nós a oportunidade para construir um texto de harmonia. Ele nos deu essa oportunidade. E a gente não pode perder."

A mudança vai demorar?, quis saber o repórter. E Maia: "Pode levar muito tempo ou pode sair rapidamente. Se for feito por acordo, a gente pode resolver logo no início do próximo ano. O que eu não quero é que pareça que a Câmara está trabalhando contra, confrontando, brigando."

De antemão, Maia fez um aviso: "A limitação do foro não pode ser só para o político. Tem que ser para todo mundo." Ele exemplificou: "Magistrados, procuradores, comandantes das Forças Armadas, vale para todo mundo." Vai abaixo a íntegra da conversa:

— Há alguma hipótese de a Câmara apressar a aprovação da emenda constitucional que elimina o foro privilegiado? Vou conversar na terça-feira com a ministra Cármen Lúcia. Antes, no domingo, conversarei com o Eunício [Oliveira]. Quero construir um texto coletivo. Não acho razoável termos um texto contra ou a favor de ninguém. Quero um texto à altura da mudança que a sociedade espera da Câmara.

— Esse texto não será aquele que veio do Senado e que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nesta semana? Não necessariamente. O que eu quero, como presidente da Câmara, é um texto que reproduza a expectativa da sociedade.

— Não acha que a expectativa da sociedade é a de eliminar por completo o foro privilegiado? Nosso papel é chegar a um texto que represente aquilo que a sociedade deseja, com algum equilíbrio. Se ouvirmos os ministros do Supremo, a Procuradoria e o presidente do Senado, nós chegaremos a um texto de consenso e de bom senso. A sociedade sempre quer o extremo. E acho que ela tem razão, porque está muito machucada com tudo o que está vendo. Mas o nosso papel, sem desconsiderar a posição extremada da sociedade, é construir uma proposta razoável. Creio que chegaremos a um texto bom. Não quero que seja um texto que pareça que trabalhamos contra o Supremo ou a Procuradoria ou mesmo o Executivo. Tem que ser uma formulação que leve em conta a harmonia entre os Poderes.

— Isso levará muito tempo? Pode levar muito tempo ou pode sair rapidamente. Se for feito por acordo, a gente pode resolver logo no início do próximo ano. O que eu não quero é que pareça que a Câmara está trabalhando contra, confrontando, brigando. Isso não leva o Brasil a lugar nenhum. Pedi uma audiência à presidente do Supremo. Será na terça-feira. E estive com a procuradora-geral Raquel Dodge, na semana passada, para dizer isso: vamos construir um texto juntos. É isso o que o Brasil espera de nós. Um texto em que a gente assegure o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes e, ao mesmo tempo, contemple o entendimento de que a sociedade espera outra coisa da política. E a política precisa dar respostas.

— O que disse exatamente à procuradora Raquel Dodge? Falei sobre essa questão do foro. Disse que não sabia o que o Supremo decidiria. E afirmei que, se o Supremo não encerrasse o julgamento, queria construir junto um texto. Eu disse: olha, doutora Raquel, não sei o que o Supremo fará. Mas se o Supremo não terminar, espero que a gente possa sentar e construir um texto. Não será um texto da corporação política, do Judiciário ou da Procuradoria. Será um texto conjunto, que contemple aquilo que a sociedade espera de nós.

— Considerou adequado o pedido de vista do ministro Dias Toffoli? A decisão do Toffoli foi importante porque dá a todos nós a oportunidade para construir um texto de harmonia. Ele nos deu essa oportunidade. E a gente não pode perder essa oportunidade.

— Não acha que a decisão do Supremo, já aprovada pela maioria dos ministros, seria adequada ao prever que o foro especial valeria apenas para os crimes praticados no exercício do mandato e em função cargo? O mais legítimo é que o Congresso decida. Não falei nada antes do julgamento do Supremo. Mas avalio que o que vai legitimar uma decisão como essa é a aprovação legislativa. O próprio Congresso, em diálogo com a Procuradoria e o Supremo, precisa entender que não pode ficar do jeito que está, é um excesso. Podemos constuir um texto que respeite o mandato, como está colocado pelo próprio Supremo, delegando para a primeira instância aquilo que for de responsabilidade dela.

— A formulação que preserva o foro apenas para os delitos praticados no exercício do mandato e relacionados ao cargo lhe pareceu adequada? Acho que é o justo, é o correto. Nada do que vem do passado pode ser protegido pelo foro. É preciso que todos entendam isso. Também acho que a limitação do foro não pode ser só para o político. Tem que ser para todo mundo.

— Valeria também para magistrados? Magistrados, procuradores, comandantes das Forças Armadas, vale para todo mundo. Ninguém pode estar protegido pela lei. A lei precisa assegurar o amplo direito de defesa, não proteção especial.

— Considera importante excluir crimes alheios ao mandato, como agressões à mulher, estupros, atropelamentos e outros delitos? Creio que sim. Do contrário, seria usar o mandato para se beneficiar por erros cometidos fora dele. Que responda na primeira instância. Acho que a decisão do Supremo está corretíssima. Mas se fizermos isso por meio de uma emenda constitucional, aprovada na Câmara e no Senado, estaremos legitimando de forma democrática a decisão do Supremo.

— E quanto à reforma Previdência, está mais otimista? Hoje, estou mais otimista do que ontem.

— O que mudou? Conversei com os líderes nesta sexta-feira. E acho que a gente tem alguma chance de chegar nos 308 votos. Não é grande, mas temos alguma chance.

— Há um compromisso de votar no início de dezembro? Gostaria de votar amanha. Mas sem votos não posso votar amanhã. Como é um tema tão importante para o futuro do Brasil, se eu der uma data e não cumprir o impacto será grande. Então, eu tenho que saber construir a mairia, se for possível, para indicar uma data.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.