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Josias de Souza

Eleito como palhaço, Tiririca virou ser amestrado

Josias de Souza

08/12/2017 03h56

O deputado Tiririca estava errado. Ficou provado: pior, fica. Na campanha de 2010, Tiririca pediu votos assim: "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim, que eu te conto." Desgostoso com a política, ele subiu à tribuna da Câmara para anunciar a intenção de abandonar o circo parlamentar. Fez cara de nojo. Mas tranquilizou os colegas: "Jamais vou falar mal de vocês em qualquer canto que eu chegar. E não vou falar tudo o que eu vi, tudo o que eu vivi aqui. Mas eu seria hipócrita se eu saísse daqui e não falasse realmente que tô decepcionado com a política brasileira, com muitos de vocês. Muitos!"

Tiririca passou dois mandatos testemunhando números do elenco do Legislativo. Conviveu em silenciosa harmonia com engolidores de verbas, ilusionistas orçamentários, trapezistas morais e malabaristas ideológicos. Em meio a tanta diversidade, reciclou-se. Era apenas um palhaço. Tornou-se um ser amestrado. Seu domador foi o ex-presidiário Valdemar Costa Neto, que integrou a bancada da Papuda no escândalo do mensalão. Trata-se de um político do tipo que, quando o circo pega fogo, corre para a bilheteria.

Idealizador da candidatura de Tiririca, Valdemar não enxergava um palhaço na cara de sua cria. Ele via cifrões. Com a montanha de votos que recebeu, Tiririca arrastou para a Câmara mais três deputados. Vitaminando a bancada, fez crescer a fatia do PR no rateio da verba do Fundo Partidário. E quem cuida da caixa registradora é Valdemar. Num ambiente assim, tão mercantil, o palhaço amestrado tem milhões de razões para descumprir a promessa de contar aos seus eleitores o que fazem os deputados. Seu depoimento poderia soar como uma autodelação. Sem prêmio.

"Estou saindo triste pra caramba, muito chateado com a política e o nosso Parlamento", discursou Tiririca. "É uma vergonha muito grande." O orador disse que anda de "cabeça erguida". Munido de autocritérios, acha que cumpriu com as suas obrigações. Jactou-se de ser um dos deputados mais assíduos da Câmara. Lamentou que um deputado tenha que trabalhar muito, para produzir pouco.

Vivo, Sérgio Porto acomodaria nos lábios de Stanislaw Ponte Preta, o colunista genial criado por ele, um comentário sobre a assiduidade e a produtividade de Tiririca. Algo assim: "A função de certos parlamentares é a de acordar mais cedo para passar mais tempo sem fazer nada." Quem acreditou piamente não pode piar. Recomenda-se um nariz vermelho, um colarinho folgado, sapatos grandes e lágrimas de esguicho.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.