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Josias de Souza

Temer fala de Previdência sem medo do ridículo

Josias de Souza

15/12/2017 18h34

Um presidente chamado Temer —assim, sem o acento circunflexo no primeiro 'e', como se fosse sinônimo de ter medo— sofre do mesmo problema de uma mulher chamada Vitória. A qualquer momento os acontecimentos podem desmentir o nome. Recém saído de sua mais recente internação hospitalar, Temer falou sobre a reforma da Previdência sem temer o ridículo.

Ao dar posse ao novo ministro Carlos Marun (Coordenação Política), Temer disse não ter "a menor dúvida" de que a reforma previdenciária será aprovada. Acha que a aprovação virá porque o governo tem o apoio dos presidentes da Câmara e do Senado. É apoiado também pelos líderes governistas. Conta até mesmo com "a compreensão oculta" dos líderes da oposição.

Não é só. Segundo Temer, a reforma é avalizada por "boa parte da população". Na sua avaliação, os parlamentares que ainda resistem às mudanças vão perceber a posição favorável do eleitorado no período de recesso parlamentar. E voltarão a Brasília em fevereiro, às vésperas do Carnaval, "muito mais animados" com a perspectiva de dizer "sim" à emenda que mexe com as regras da Previdência.

Tomado pelas palavras, Temer parece acreditar que o problema da Previdência não é com ele, mas com os presidentes das Casas legislativas, com os líderes, com os parlamentares e, no limite, com a própria sociedade. Lorota. É com ele mesmo. Quem vendeu a alma para enterrar duas denúncias criminais na Câmara foi Temer.

Depois de gastar toda sua munição fisiológica para arrematar os votos que mantiveram sua cabeça sobre o pescoço, Temer converteu-se numa espécie de contador de padaria. Precisa dos votos de 308 deputados para prevalecer no plenário da Câmara, enviando a emenda da Previdência para o Senado. E tudo o que tem a dizer é o seguinte:

"Vai ficar para fevereiro? Ótimo! Para fevereiro vocês sabem por quê? Porque nós contamos votos. Enquanto não tivermos os 308 votos, não vamos constranger nenhum deputado. Nem nós queremos nem o Rodrigo [Maia] quer nem o Eunício quer. Ninguém quer isso."

Em fevereiro, quando os deputados governistas voltarem dos seus Estados ainda mais constrangidos pela proximidade com a impopularidade radioativa do presidente, Temer talvez diga: "Vai ficar para abril, para setembro ou para as calendas? Ótimo. O importante é que eu não tenho a menor dúvida de que a reforma da Previdência será aprovada."

O Brasil seria um país extraordinário se, de repente, por uma dádiva dos céus, baixasse no Palácio do Planalto um surto de rídículo capaz de impedir Temer de desmentir o próprio nome. Temer faria um enorme bem a si mesmo se voltasse a temer o ridículo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.