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Josias de Souza

Ciro candidata-se a herdeiro do espólio de Lula

Josias de Souza

09/03/2018 04h52

Tomado pela pesquisa mais recente do Datafolha, divulgada no final de janeiro, Ciro Gomes tornou-se beneficiário natural de um pedaço do espólio eleitoral de Lula. Amealhou 7% das intenções de voto num cenário com a presença do candidato inelegível do PT. Sem Lula, subiu seis pontos percentuais, estacionando em 13%. Confirmado nesta quinta-feira como presidenciável do PDT, Ciro já tentou de tudo para firmar uma parceria formal com o PT. Mas como tudo não quis nada com ele, o ex-ministro de Lula e Dilma Rousseff passou a soar como se tentasse estabelecer contato direto com o eleitorado órfão do PT.

"A história é um testemunho muito mais forte do que retórico ou de interpretações de um certo centro de intrigas que eu vi surgir", disse Ciro aos repórteres. "[…] Ao longo dos últimos 16 anos eu ajudei o Lula sem faltar nenhuma vez. Estou vendo o que está acontecendo no país. Vejo crescer nas minhas costas uma responsabilidade muito grande."

Ciro antevê um segundo turno em que medirá forças com o governador tucano Geraldo Alckmin. Antes, ambos terão de se livrar dos seus tampões. "O Bolsonaro está tamponando o Alckmin e o Lula tamponando a minha posição", disse o candidato do PDT.

Dono de um estilo tonitruante, Ciro passou a trazer a língua na coleira. Já se deu conta de que, solta, ela não perde oportunidade de exercitar sua vocação para a autocombustão. Foi o que sucedeu na ocasião em que declarou que o papel de Patrícia Pillar, a atriz com quem Ciro vivia, era o de dormir com o candidato. Hoje, Ciro se esforça para grudar em si mesmo o rótulo de feminista, avesso a brincadeiras tolas. "Desta vez, evidentemente, vou tomar muito mais cuidado."

Com a língua domada e os rivais batendo cabeça entre si, o maior entrave de Ciro é a falta de reciprocidade do petismo. Se Deus intimasse o PT para optar entre o seu próprio umbigo e a candidatura presidencial de Ciro Gomes, os petistas dariam a seguinte fulminante resposta: morra a pretensão política de Ciro. E, com isso, ficaria claro que, para o petismo, o egocentrismo é o grande acontecimento. Só o interesse próprio existe. O resto é paisagem. Lula e seu partido ainda não disseram "desta água não beberei." Mas já sinalizaram que preferem ferver Ciro Gomes antes.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.