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Josias de Souza

Temer encontra Yunes, seu parceiro de inquérito

Josias de Souza

09/03/2018 19h03

Michel Temer reuniu-se nesta sexta-feira, em São Paulo, com o advogado José Yunes. O encontro não constou da agenda. E o tema da conversa não foi divulgado. Pode-se, contudo, intuir sobre os vários assuntos que não foram abordados no diálogo do presidente com seu amigo de mais de três décadas e companheiro de inquéritos criminais.

Yunes bateu em retirada da assessoria pessoal de Temer, no Planalto, em 2016. Saiu de cena depois da delação em que Marcelo Odebrecht revelou que, nas eleições de 2014, a pedido de Temer, o departamento de propinas de sua construtora repassou R$ 10 milhões a pessoas da confiança do então vice-presidente da República.

Marcelo Odebrecht relatou que parte da propina —coisa de R$ 6 milhões— descera ao caixa da campanha de Paulo Skaf, então candidato do PMDB ao governo de São Paulo. O restante fora repassado "via Eliseu Padilha", o ainda chefe da Casa Civil de Temer. Um pedaço do bolo foi parar no escritório de Yunes. A pedido da procuradora-geral Raquel Dodge, o ministro Edson Fachin, relatora da Lava Jato no STF, incluiu Temer no rol de investigados do inquérito sobre a Odebrecht. Mas o presidente não incomodaria o amigo com tema tão desagradável.

Dias depois de ter deixado do Planalto, Yunes declarou que foi "mula involuntário" de Padilha. Contou que, em setembro de 2014, o chefão da Casa Civil lhe telefonou para dizer: "Yunes, olha, eu poderia pedir para que uma pessoa deixasse um documento em seu escritório? Depois, outra pessoa vai pegar'." Yunes respondeu "que podia." Por quê? "Tenho uma relação de partido e convivência política com ele."

Temer sabe das relações fraternais que unem Padilha a Yunes. Desnecessário conversar sobre isso. Até porque o doleiro Lúcio Funaro, preso até outro dia, já confirmou em delação que deixou um volume no escritório do amigo do presidente e de Padilha. Continha dinheiro, não documentos. Outra pessoa, cujo nome Yunes desconhece, passou para pegar. Mas Temer avalia que nada disso lhe diz respeito.

Além do inquérito sobre a propina da Odebrecht, Temer é protagonista de uma segunda investigação. Apura-se a suspeita de favorecimento a empresas do setor portuário em troca de propinas. Relator da encrenca no STF, o ministro Luís Roberto Barroso quebrou o sigilo bancário se Temer e de amigões como Yunes. Mas o presidente já assegurou que está limpo nessa história. Por que abordaria o tema com o amigo? Pode ter feito, no máximo, uma pergunta: "Penso em liberar meus extratos à imprensa. Advogados e assessores desaconselham. Vamos juntos?"

Agora que todos já sabem sobre tudo o que não abordado na conversa de Temer com Yunes, a assessoria do presidente poderia fazer o favor de revelar o teor do diálogo. Deve ser enternecedor e edificante o diálogo entre dois amigos tão próximos. Senão por outra razão, a conversa deveria ganhar o noticiário como exemplo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.