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Josias de Souza

Chico Alencar: ‘Assassinato de Marielle desmontou o palanquinho de Temer’

Josias de Souza

18/03/2018 05h15

Chico Alencar sobre Marielle Franco: 'Era cheia de energia, de jovialidade, de ousadia'

Uma das principais lideranças do PSOL no Congresso, o deputado Chico Alencar (RJ) acusa Michel Temer de ter decretado intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro "mais preocupado com votos do que com vidas". Declara que o fuzilamento da vereadora Marielle Franco subverteu os planos do presidente de extrair dividendos políticos da intervenção. Em entrevista ao blog, o deputado comentou o cancelamento da cerimônia que o presidente faria neste domingo, para celebrar o primeiro mês da intervenção: "O assassinato de Marielle desmontou o palanquinho que Temer pretendia fazer no Rio." Vai abaixo a entrevista.

— Após o assassinato de Marielle Franco, o presidente Temer repetiu expressões que ele havia pronunciado quando decretou a intervenção no Rio. Coisas como "destruiremos o banditismo". Ou os criminosos "não destruirão o nosso futuro". O que acha da atuação do presidente? Esse tipo de discurso, vindo do Temer, soa inautêntico. Ele é acusado de formação de quadrilha. Trata-se de um político tradicional, de punhos de renda, retórica educada, lhano no trato, de boas palavras, cheio das mesóclises. Mas faz tempo que não tínhamos no comando do governo da República uma coalização com tantos investigados, denunciados e réus. Salvam-se poucos. Talvez o Raul Jungmann [ministro da Segurança Pública], pela sua história, se salve. Ele vem do Partido Comunista, está no PPS. Até onde eu sei, ele não pertence a esse esquemão quadrilheiro. Mas o que se vê no governo hoje é o esquemão da politicalha mais baixa, baseada no clientelismo, no patromonialismo e no fisiologismo.

— Acha que o governo Temer pode encaminhar algum tipo de solução para a segurança pública do Rio? O atual governo não tem a mínima condição moral para atuar. O que nós vemos é o governo federal corrompido do PMDB intervindo no governo estadual falido e corrupto do mesmo PMDB. Para complicar, a intervenção ocorre numa área tão sensível quanto a segurança pública. O governo do Temer não tem capacidade moral nem para atacar a corrupção na polícia do Rio de Janeiro. Creio que só podemos pensar em algum tipo de perspectiva para o Brasil depois da eleição. Ainda assim, é preciso ver o que vai sair das urnas —no plano federal, nos Estados e no Congresso. Está tudo muito movediço.

— O PSOL sustenta que a intervenção na segurança do Rio teve propósitos eleitorais. Por quê? Essa intervenção no Rio só existe porque o Temer perdeu a batalha da reforma da Previdência. A derrota era inevitável. Se o Temer insistisse na votação, explicitando a derrota, o governo dele tinha acabado totalmente. Ele seria um 'pato manco' até o final de 2018. Por isso, eles reorientaram a pauta, direcionando o debate para a segurança pública. Forçaram a barra, alegando que a violência no Rio extrapolou durante o Carnaval. Participo de blocos de rua. Neste ano, o Carnaval foi menos tenso do que no ano passado. Comentei isso com amigos. Claro que sempre tem os punguistas, os roubos de relógio e de celular. Mas tudo neste ano serviu de pretexto para uma virada de eixo.

— Que efeitos imagina que o assassinato de Marielle Franco pode ter sobre a estratégia de Temer no Rio? O fiasco da Previdência levou o governo a promover uma virada de eixo. Voltou-se para a segurança pública mais preocupado com votos do que com vidas. Até pessoas sinceras do governo admitem isso. Tinha que ter uma pauta. Só que, veja só, dentro dessa pauta veio essa tragédia horrorosa que foi o assassinato da Marielle. O governo Temer agora está desesperado, sem saber o que fazer. O Temer tinha programado uma viagem ao Rio, neste final de semana. Faria uma solenidade para celebrar um mês da intervenção, a queda da violência, o acerto da medida. O assassinato de Marielle desmontou o palanquinho que Temer pretendia fazer no Rio. Desistiu. Agir pensando mais em votos do que em vidas pode não dar certo. O Temer não tem como ser candidato a nada. O governo dele está se arrastando. Mas o PMDB ainda sonha em fazer uma boa bancada. É tudo muito trágico, porque o povo continua acossado pela violência.

— Acha que o desespero que enxerga em Temer pode resultar numa investigação precária? Não aceitaremos que isso ocorra. Não basta entregar duas ou três cabeças. É preciso esclarecer quais foram as razões e a motivação do crime.


— Nas reflexões que fizeram sobre a execução de Marielle, conseguiram chegar a alguma conclusão sobre as razões? O choque foi muito grande. A Marielle estava com o mandato em pleno fulgor. Era um mandato bonito, participativo. Marielle era uma figura cheia de energia, de jovialidade, de ousadia. Nas cobranças que faremos às autoridades e nas nossas indagações, operamos com três interrogações: Quem? Por quê? Para quê?

— Qual é a sua avaliação sobre a autoria do fuzilamento? Houve sofisticação no crime, que não está limitado a quem acionou o gatilho. Aliás, o gatilho foi acionado com muita perícia, destreza e frieza. Isso tudo está muito evidente. Há outros criminosos que se encontravam num segundo carro, provavelmente também envolvidos. O que revela um planejamento detalhado. E há os prováveis mandantes. Está claro que é gente experimentada em matar. Crime organizadíssimo. E todo crime muito organizado tem elos com o aparato de Estado, sobretudo no setor de segurança pública. No Brasil, banditismo e polícia estão imbricados à beça.

— E quanto à segunda indagação: Por quê? É fundamental que a investigação responda: por que a Marielle? Temos várias reflexões. Sabemos que as milícias têm um ódio histórico do [deputado estadual] Marcelo Freixo, que as denunciou. Houve aqui no Rio a CPI das milícias. Mas o Freixo, nosso companheiro do PSOL, felizmente está muito protegido.

— Ele anda com escolta policial? Sim. Há muita segurança. Só anda em carro blindado. Policiais escolhidos com muito critério dão proteção. De vez em quando tem troca. Está funcionando. A Marielle trabalhou com o Marcelo Freixo, é muito ligada a ele. Então, uma hipótese é essa: mandaram um recado. Algo como: "Ainda não pegamos você. Mas veja do que somos capazes. Essa gente é brutal.

— Autoridades do governo mencionam a hipótese de que o crime tenha sido uma reação às primeiras mudanças no comando das polícias no Rio. Não acredita? Tem essa versão, mas o governo precisa assumir. O general (Braga Netto, interventor federal na área de segurança do Rio) precisa aprender a falar. Ele é um militar clássico, com conceitos militares e práticas militares. Está improvisado na segurança pública. Não fala muito. Quando fala é lacônico. O que o governo deveria dizer, se acha isso, é que foi um aviso. Algo para sinalizar que não aceitarão que mexam nos esquemas podres das polícias ou que ataquem as milícias. Sei que essa versão está presente dentro do governo, que não a assume abertamente. Por ora, é tudo hipotético.

— Chegamos à terceira pergunta da sua trilogia: Para quê? Uma polícia empenhada, com capacidade técnica, consegue desvendar isso. É preciso que os investigadores forneçam uma resposta também para essa pergunta.

— O que achou das manifestações de rua ocorridas na quinta-feira, depois da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes? Essas manifestações me deixaram surpreso. Foi um movimento espontâneo. As pessoas saíram às ruas sem ninguém chamar. Vários artistas participaram. Esse movimento terá alguma continuidade.

— Haverá outras manifestações? Neste domingo haverá uma caminhada no Complexo da Maré. Foi organizada pelo povo de lá. Há no complexo muitas comunidades. Houve lá 14 meses de intervenção. O comandante do Exército, general Viilas Bôas, fez um comentário muito sincero em depoimento no Senado. Disse que a intervenção na Maré foi 'desgastante, perigosa e inútil.' Depois que saiu o Exército, voltou tudo, inclusive o varejão de drogas. O assassinato da Marielle, que é da Maré, revoltou todo mundo. Na terça-feira, para marcar o sétimo dia da morte, haverá uma caminhada da Candelária até a Cinelândia, Às 19h, haverá um ato ecumênico nas escadarias da Câmara. Creio que vai bastante gente. Estamos muito atentos para não fazer explorações eleitoreiras desse episódio. Temos muito orgulho de dizer que a Marielle era do PSOL. As pautas dela são as nossas. Mas não vamos fazer eleitoralismo com uma tragédia.

— A desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, escreveu no Facebook que Marielle Franco "estava engajada com bandidos". O deputado federal Alberto Fraga anotou no Twitter que a vereadora assassinada era ex-mulher de Marcinho VP, fumava maconha e foi eleita pelo Comando Vermelho. O que achou dessas manifestações? Fico estarrecido com esses comentários cruéis e desqualificados. Na prática, tornam-se cúmplices do assassinato. Cometem um segundo atentado contra a Marielle. Essa senhora é uma desembargadora. Deveria se dar ao respeito. Ela cristaliza com a manifestação dela a ideia de que favelado é cúmplice do tráfico. O outro é deputado federal. E repete a mesma bobagem. Diz que a Marielle foi eleita pelo Comando Vermelho. Além da má-fé, isso é de uma estupidez completa. Mal sabem eles que a Marielle nasceu e cresceu numa área que não é controlada por essa facção. Além disso, ela teve cerca de mil votos no Complexo da Maré. E outros 45 mil fora de lá. Ela virou um fenômeno na época da eleição, teve muitos votos na Zona Sul. Ela era muito articulada, carismática, inteligente.

— Que providências vão adotar? Vamos processar a desembargadora. E representaremos contra o deputado Fraga no Conselho de Ética da Câmara. Falei com o Rodrigo Maia [presidente da Câmara]. O Fraga comanda, por determinação do presidente da Câmara, que é colega dele do DEM, a pauta de segurança pública. Ele é o relator da proposta que cria o Sistema Único de Segurança Pública. Falei para o Rodrigo Maia: ele se descredenciou totalmente. O Rodrigo disse que ele pediria desculpas. Mais tarde, o Fraga disse que iria parar com a polêmica porque tinha mais o que fazer. Afirmou que as investigações mostrariam quem está com a razão. Falei para o Rodrigo Maia: Isso não é pedido de desculpas. E ele: 'Ah, mas o Fraga admitiu que pode ter errado.' Ora, francamente. Isso não pode ficar assim. Para completar, ele insinua que a filha da Marielle teria como pai o Marcinho VP. Mentira deslavada. Conhecemos o pai dela.

— Algumas reações postadas nas redes sociais sinalizam uma doença social, não acha? Não tenho dúvidas, nossa sociedade está muito doente. E as redes sociais propagam o vírus. Mas vi um levantamento que me apaziguou um pouco. No caso da Marielle, 88% das postagens eram de solidariedade, indignação e consternação. Apenas 7% eram dessa linha raivosa. O Fernando Henrique Cardoso postou um comentário na página dele sobre a Marielle. O texto tem o estilo do Fernando Henrique, valorizando a atuação da Marielle. A certa altura, diz inclusive que uma política de combate às drogas meramente repressiva não leva a nada. Fiquei impressionado com os comentários. Os trinta primeiros que eu li eram muito agressivos. Algumas mensagens muito ofensivas, com palavrões, acusações de vinculação com bandidos. Um diz: 'votei em você, mas estou arrependido…' Outro escreveu que 'essa vagabunda tinha mesmo é que morrer'. Uma loucura! É de impressionar.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.