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Josias de Souza

Brasil teve 5 presidentes em um único mandato

Josias de Souza

13/04/2018 16h42

Desde 1º de janeiro de 2015, quando Dilma Rousseff tomou posse pela segunda vez, o Brasil já teve cinco presidentes. Repetindo: no curto intervalo de um mandato ainda inconcluso, o país foi presidido por cinco personagens. Substituto eventual de Dilma, Michel Temer apossou-se em definitivo do trono em 31 de agosto de 2016, apenas três horas depois de o Senado ter confirmado o impeachment da titular. Desde então, asssumiram interinamente a Presidência da República o deputado Rodrigo Maia, o senador Eunício Oliveira e, nesta Sexta-Feira 13, a ministra Cármen Lúcia, terceira na linha sucessória.

Deve-se a excentricidade à regra que obriga o presidente a passar o cargo a um interino sempre que voa para o exterior —como agora, que Temer foi ao Peru, para a Cúpula das Américas. Esse tipo de substituição é uma relíquia do tempo em que, ao viajar, o titular do cargo ficava inalcançável, incomunicável. Hoje, na era da comunicação instantânea, a prática tornou-se uma pantomima. A Presidência viaja junto com o presidente, que nunca deixa de exercê-la, esteja onde estiver. Mas a cerimônia de transmissão do cargo sobrevive à modernidade como uma farsa inútil.

A brincadeira tem custos. Candidatos às urnas de 2018, os presidentes da Câmara e do Senado, que antecedem Cármen Lúcia na linha de sucessão, não puderam assumir o Planalto, porque ficariam inelegíveis. Rodrigo Maia e Eunício Oliveira poderiam simplesmente pedir licença dos respectivos cargos pelas 24 horas em que Temer ficará ausente do país. Mas preferiram cavar agendas no exterior. Maia foi para o Panamá. Eunício, para o Japão —com todas as mordomias que o dinheiro público pode financiar.

Um dos temas centrais da cúpula peruana será o combate à corrupção. Por sorte, Temer passou a Presidência para Cármen Lúcia ao embarcar. Como não pode haver uma presidente em Brasília e outro no estrangeiro, o Temer que aterrissou em Lima é, na prática, um ex-presidente —o que o exime de explicar aos presidentes de outros países por que diabos um chefe de Estado que coleciona duas denúncias criminais e dois inquéritos por corrupção resolveu participar de um evento que acomoda os bons costumes no topo de suas prioridades.

Cármen Lúcia será presidente apenas até este sábado. Poderia aproveitar o pouco tempo de que dispõe para realizar uma gestão de absoluta e radical oposição ao regime. Afinal, a presidente do Supremo, por esbelta, não precisa fazer dieta. Para não ser acusada de omissão diante das questões que inquietam o brasileiro, a substituta interina de Temer talvez pudesse cogitar a hipótese de baixar uma medida provisória proibindo Gilmar Mendes de falar por mais de meia hora ao proferir seus votos no plenário do Supremo.

De resto, além de convocar uma entrevista para anunciar que é absolutamente contra o câncer, o refrigerante sem gás e o cafezinho frio, Cármen Lúcia deveria enviar ao Diário Oficial a demissão de todos ministros delatados, investigados, denunciados ou réus. É improvável que a interina se atreva a tanto. Mas Temer viajará novamente em maio. Passará 11 dias na Ásia. Maia e Eunício não poderão assumir. É possível que até lá a presidente do Supremo perceba que a simples possibilidade de demitir gente como Eliseu Padilha e Moreira Franco deve proporcionar uma sensação extraordinária.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.