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Josias de Souza

Loures diz que desconhecia o conteúdo da mala

Josias de Souza

26/04/2018 01h34

A defesa de Rodrigo Rocha Loures escolheu um caminho inusitado para refutar a acusação de que ele praticou o crime de corrupção a mando de Michel Temer. Numa petição de 49 folhas, o advogado do ex-deputado e ex-assessor do presidente sustenta que seu cliente pegou a mala com propina de R$ 500 mil da JBS "sem saber qual era seu conteúdo." Alega também que, embora tenha ido a São Paulo para apanhar o dinheiro com Ricardo Saud, ex-executivo do grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista, o personagem "desconhecia quaisquer acertos, pagamentos e condições". Mantida essa versão, a defesa tentará provar ao Judiciário que Loures é apenas bobo, não corrupto.

Obtida pelo repórter Aguirre Talento, a defesa de Loures foi divulgada nesta quarta-feira no site do jornal O Globo. Redigida pelo advogado Cezar Bitencourt, a peça foi anexada em fevereiro à ação penal que corre contra o ex-auxiliar de Temer na Justiça Federal de Brasília. O próprio presidente estava encrencado no caso. Mas a a Câmara congelou a denuncia contra ele. E o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, enviou para a primeira instância do Judiciário o pedaço do processo referente a Loures, que não dispõe de foro privilegiado.

Loures foi filmado pela Polícia Federal recebendo a mala com o jabaculê milionário da JBS. Antes, sua voz soara num grampo feito com autorização judicial. Nele, Saud avisa: "Você, por ter nos ajudado, já tem quinhentos mil guardadinho. Tá guardado comigo em casa e eu não quero ficar." E Loures: "Tá". O diálogo não orna com a tese de que o ex-assessor da Presidência foi ao encontro do emissário da família Batista como um atoleimado habitante de um Brasil de outros tempos —um país em que mala era apenas um utensílio para transportar roupas numa viagem.

Sem citar o nome de Temer, a defesa de Loures faz menção ao ex-chefe do réu. "O simples fato de Rodrigo ter exercido a posição de assessoria do presidente não caracteriza concretamente o acerto de vontades para o cometimento de ilícitos", anota o documento. "Afinal, a presidência da República conta com diversos assessores, sendo pouco razoável presumir que, ao exercer um cargo próximo ao chefe do Executivo, esses profissionais estão automaticamente anuindo com toda e qualquer ação do presidente da República."

Nesse ponto, a defesa destoa de outro fato: no dia 7 de março de 2017, no porão do Jaburu, Temer manteve uma conversa com Joesley Batista. Deu-se entre 22h31 e 23h16. Grampeado pelo dono da JBS, o presidente entregou-se a um diálogo que a Polícia Federal recuperou. Vai abaixo a reprodução de um trecho:

Joesley: "Pra mim falar contigo qual é a melhor maneira… Porque eu vinha falando através do Geddel, através… Eu não vou lhe incomodar, evidente, se não for algo assim…".

Temer: "As pessoas ficam… Sabe como é que é…".

Joesley: "Eu sei disso, por isso é que…".

Após um trecho ininteligível, Temer declara: "Um pouco".

Joesley: "É o Rodrigo?".

Temer: "O Rodrigo".

Joesley: "Ah, então ótimo".

Temer: "Pode passar por meio dele, viu? Da minha mais estrita confiança",

O presidente referia-se justamente a Rodrigo Rocha Loures —o mesmo que agora sustenta não saber de nada. Em sintonia com o ex-chefe, o 'homem da mala', como ficou conhecido, sustenta que foi vítima de um conluio urdido pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot com os delatores da JBS. Menciona o ex-procurador Marcelo Miller, investigado sob a acusação de ter assessorado a JBS enquanto ainda integrava a equipe de Janot.

O diabo é que, seja qual for o resultado da apuração sobre Miller, nada apaga as vozes dos grampos, o flagrante da mala e a corridinha de Loures a caminho do táxi. A teoria conspiratória é sempre mais criativa, cheia de intriga e perfídia. Tem todos os ingredientes de uma boa ficção. O único inconveniente é que a aceitação da tese que transforma denunciados por corrupção em bobos supõe que o Brasil é habitado por idiotas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.