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Josias de Souza

Parente saiu após farejar ‘interferência política’

Josias de Souza

01/06/2018 14h54

Michel Temer não tinha a intenção de alterar o comando da Petrobras. Mas ajudou decisivamente a empurrar Pedro Parente para fora da presidência da estatal. Parente enxergou na movimentação do ministro Moreira Franco (Minas e Energia) um indício de que a blindagem contra interferências políticas na administração da Petrobras poderia ter chegado ao fim. Uma frase enviesada de Temer converteu o indício numa evidência. Ao constatar uma rachadura no escudo que recebera de Temer há dois anos, Parente decidiu bater em retirada.

O desfecho começou a ser esboçado na última terça-feira. A paralisação dos caminhoneiros puxava para baixo as ações da Petrobras. Em videoconferência, Pedro Parente acalmou os investidores. Garantiu-lhes que a política preços da estatal seria preservada. Horas depois, alheio ao esforço de Parente, Temer puxou-lhe o tapete. Fez isso numa entrevista à emissora estatal TV Brasil.

Durante a conversa, Temer declarou o seguinte: "A Petrobras se recuperou ao longo desses dois anos, estava numa situação, digamos, economicamente desastrosa há muito tempo, então nós não queríamos, digamos, alterar a política da Petrobras, nós podemos reexaminá-la, mas com muito cuidado, tanto que, você veja que, nós estabelecemos um prazo de 60 dias para que não haja nenhum aumento inicial e depois os aumentos serão formulados e formatados a cada 30 dias."

As palavras de Temer soaram como um desejo de modificar a política de preços da Petrobras. O miolo da encrenca estava no trecho "nós podemos reexaminá-la." A coisa soou tão esquisita que os repórteres chegaram a imaginar que o presidente pudesse ter dito "não podemos reexaminá-la." Mas a assessoria do Planalto, acionada, esclareceu que Temer dissera "nós" em vez de "não". Seguiu-se uma intensa confusão nos bastidores. Parente colocou o cargo à disposição. Temer desconversou.

Na manhã seguinte, as ações preferenciais da Petrobras chegaram a cair 6%. Todo o esforço que Parente fizera na véspera para jogar água na fervura perdera-se num vocábulo de três letras: "nós". Para complicar, Parente não se sentia incluído no plural majestático de Temer. Por isso, começou a matutar sobre o caminho singular da demissão. Tomou esse rumo porque já havia farejado num vaivém de Moreira Franco a intenção de alterar a forma como a Petrobras maneja os preços dos combustíveis.

Numa tentativa de consertar o estrago, o Planalto chegou a divulgar uma nota. Nela, escreveu que as medidas adotadas pelo governo para garantir a previsibilidade do preço do diesel preservaram —e continuarão a preservar —a política de preços da Petrobras. As ações da estatal fechariam o dia em queda. Além de Parente, o mercado também pressentiu que o governo fazia a plateia de boba, negando um debate interno que tornara-se inegável.

Em conversas com parlamentares e declarações à imprensa, Moreira falava em estender para a gasolina o acerto firmado com os caminhoneiros em relação ao diesel. O acordo estabeleceu uma periodicidade mensal para os reajustes do diesel. Em nome da "previsibilidade", Moreira passou a defender que a novidade do diesel fosse convertida numa política para todos os combustíveis. Não havia clareza sobre como a Petrobras seria compensada pelas variações da cotação do dólar e do petróleo ao longo dos 30 dias de preços fixos.

Parente não se deu por achado. Quando ainda havia caminhoneiros atravessados nas estradas, autorizou a elevação da gasolina vendida às distribuidoras, mantendo-se fiel à tática de grudar os preços internos à cotação internacional. Estava claro que o administrador da Petrobras, guindado ao posto há dois anos como solução para a ruína produzida nas gestões petistas, transformara-se num problema para o governo.

Pedro Parante iluminou a encrenca num trecho de sua carta de demissão: "Tenho refletido muito sobre tudo o que aconteceu. Está claro, sr. presidente, que novas discussões serão necessárias. E, diante deste quadro fica claro que a minha permanência na presidência da Petrobras deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente. Sempre procurei demonstrar, em minha trajetória na vida pública que, acima de tudo, meu compromisso é com o bem público. Não tenho qualquer apego a cargos ou posições e não serei um empecilho para que essas alternativas sejam discutidas."

Há dois anos, ao ser convidado por Temer para presidir a Petrobas, Parente condicionara a aceitação do convite à concessão de uma carta branca. Topou depois de recebeu do presidente a garantia de que poderia administrar a maior estatal do país "livre de interferências políticas." A crise do caminhonaço derreteu o compromisso de Temer. Súbito, passaram a pedir o escalpo do presidente da Petrobras dos petroleiros à bancada do MDB no Congresso. E Parente passou a enxergar na porta de saída o elemento mais atraente da sala da presidência da Petrobras.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.