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Josias de Souza

Temer trata segurança na base da empulhação

Josias de Souza

11/06/2018 21h02

Um dia depois de ser informado pelo Datafolha que seu governo derrete como picolé no Sol, Michel Temer foi ao encontro dos holofotes para trombetear uma temeridade. Sancionou a lei que cria o SUSP, uma espécie de SUS para a área da segurança. A clientela dos hospitais públicos sabe onde isso vai dar.

Pretende-se integrar num sistema nacional as informações e as ações de segurança nas esferas federal, estadual e municipal. É a medida certa adotada por um governo incerto. A tarefa consumirá vários anos. E Temer, como se sabe, será mandado de volta para casa —ou para outro lugar— no dia 1º de janeiro de 2019.

Estados e municípios terão dois anos para compartilhar dados criminais com a União. Do contrário, serão punidos com o bloqueio de verbas federais destinadas ao setor. A coisa toda será coordenada pelo Ministério da Segurança Pública. O órgão nasceu em fevereiro como "ministério extraordinário". Desaparece em seis meses, junto com o governo o governo Temer.

Reprovado por 82% dos brasileiros, Temer é, hoje, um ex-presidente no exercício da Presidência. Mas acha que dispõe de autoridade para criar prazos e impor sanções que invadem o mandato do sucessor. Simultaneamente, o pseudo-presidente descumpre compromissos que assumiu consigo mesmo e com seus auxiliares.

Na mesma solenidade em que tomou decisões pelo sucessor, Temer editou uma medida provisória destinando verbas de loterias para a pasta extraordinária da Segurança —aquela que foi criada há quatro meses, sob fogos de artifício. No governo Temer, assim como nos dicionários, a colheita vem sempre antes do trabalho. Primeiro a pompa do ministério novo. Depois, a circunstância da falta de verbas.

Providenciada com atraso, a verba será borrifada no Fundo Nacional de Segurança Pública. Uma parte virá de loterias já existentes. Outra parte terá origem numa jogatina nova, do tipo "raspadinha". Chama-se Lotex. Encontra-se em fase de implantação. Estima-se que o dinheiro só começará a entrar no cofre em 2019.

Temer já estará fora do Planalto. Mas não perdeu a oportunidade da queima de fogos. O governo estimou que repassará ainda neste ano um tônico de R$ 800 milhões para o fundo de segurança. Considerando-se o tamanho da encrenca, é uma mixaria. Mas a cifra veio ornamentada por uma outra: informou-e que a verba extra somará R$ 4,3 bilhões até 2022, no final do mandato do sucessor de Temer. Ai, ai, ai.

A lorota fica mais saliente quando se observa o que acontece com o tal fundo na vida real. Em 2017, o Orçamento da União destinou R$ 1 bilhão para o fundo de segurança. Apenas R$ 388,9 milhões foram efetivamente aplicados. Para 2018, há no fundo R$ 817,2 milhões. O primeiro semestre está no final e foram aplicados apenas R$ 122,4 milhões.

Na área de segurança, Temer fez uma opção preferencial pela empulhação. Em janeiro de 2016, o então ministro Alexandre de Moraes (Justiça) pendurou nas manchetes um ambicioso Plano Nacional de Segurança Pública. Moraes virou ministro do Supremo. O plano tornou-se letra morta.

Em fevereiro, dias antes de criar o Ministério da Segurança, Temer decretou a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Qualificou a iniciativa de "jogada de mestre". Na prática, a coisa serviu apenas para demonstrar que o crime é organizado porque o Estado esculhambou-se. Há três meses os interventores não conseguem responder a uma pergunta singela: Quem matou Marielle?

Na semana passada, o Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, divulgou o seu Atlas da Violência. O país ficou sabendo que, no ano da graça de 2016, o número de assassinatos no Brasil bateu recorde: foram à cova 62.517 pessoas. Morre mais gente no Brasil do que na guerra da Síria.

Ao discursar na solenidade desta segunda-feira, Temer declarou: "Somos todos vítimas de uma criminalidade que, cada vez mais sofisticada, exige igualmente um combate sofisticado. É por isso que, hoje, damos um passo importantíssimo para garantir mais tranquilidade com o Sistema Único de Segurança Pública."

Então, tá!

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.