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Josias de Souza

Marta cospe no prato em que já não pode comer

Josias de Souza

09/08/2018 15h14

Ao farejar nas pesquisas o risco da derrota, a senadora Marta Suplicy desistiu de tentar a sorte nas urnas de 2018. Não pleiteará a reeleição. Beleza. Acontece. Mas Marta não precisaria piorar o que já não parece muito bom.

A senadora declara-se politicamente realizada: "Minha vida parlamentar está completa", disse. Ela está satisfeitíssima consigo mesma: "Fiz muito". O problema é que Marta ainda nem desceu do palco e já atira pedras no teatro.

"…Não tenho mais vontade de fazer esse tipo de trabalho porque lá [no Congresso], metade do tempo você passa tentando entender projetos que não estão claros, tentando barrar retrocessos, tentando achar espaço para se posicionar, vendo projetos mais ideológicos do que a favor do Brasil. Não vale mais a pena estar lá. Quero fazer minha parte na sociedade civil. Posso contribuir mais."

Curioso, muito curioso, curiosíssimo. Todo mundo sabe que o Congresso, com suas bancadas corporativas —dos ruralistas, da Bíblia, da bala…— tornou-se uma instituição meio entreposto, meio dízimo, meio milícia. O que ninguém sabe é por que Marta fez tão pouco barulho durante o exercício do seu mandato. Ou por que deixou uma facção, o PT, para ingressar em outra, o (P)MDB.

Marta não é uma maruja de primeira tempestade. Tomada pela biografia, a senadora sabe que os grandes navegadores devem suas reputações aos temporais. Quando a borrasca é intensa, protagonista não abandona o barco.

Ao insinuar que deixa o Senado por vontade própria, não por falta de votos, Marta passa a impressão de que cospe num prato em que já não pode comer. Uma autocrítica soaria mais dignificante do que a crítica. Não restituiria os votos, mas ajudaria a entender os motivos que levaram o eleitor a exclui-la da mesa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.