Topo

Josias de Souza

Transparência de Alckmin tem um quê de fumê

Josias de Souza

15/08/2018 15h52

Convocado a depor no inquérito que apura o repasse de verbas do departamento de propinas da Odebrecht para suas campanhas, Geraldo Alckmin derramou-se em elogios aos investigadores e, sobretudo, aos seus próprios dotes de homem público. O "Ministério Público é uma entidade, uma instituição de grande valor", declarou o investigado, antes de se autoconceder um habeas-transparência preventivo.

"É dever de quem está na vida pública cotidianamente prestar contas, transparência absoluta", afirmou o presidenciável do PSDB. "Vou esclarecer o que quiserem que esclareça. As minhas campanhas sempre foram modestas e rigorosamente dentro da lei".

Alckmin costuma reagir às investigações que o assediam com um jeitão meio blasé. Seja qual for a acusação, o tucano balança as plumas, repete que continua à disposição para prestar todos os esclarecimentos às autoridades competentes e segue adiante, como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. O eleitor permanece no escuro.

Descontados os escândalos e personagens que pululam ao redor (Siemens, Alston, merenda, Dersa, Paulo Preto, Laurence Casagrande), continuam pairando sobre a calva de Alckmin as delações dos executivos da Odebrecht. Somaram-se a elas novas acusações de representantes da CCR, concessionária de rodovias que resultou de uma sociedade da Andrade Gutierrez com a Camargo Corrêa. Em ambos os casos os depoentes mencionaram um nome: Adhemar Ribeiro.

Adhemar é irmão de Lu, a mulher de Alckmin. No inquérito da Odebrecht, o cunhado foi apontado como intermediário do grão-tucano no recebimento de parte dos R$ 10,3 milhões em verbas de má origem providos pela empreiteira. No caso da CCR, Adhemar é mencionado como coletor de algo como R$ 5 milhões.

O nome de Alckmin soou nas delações de executivos da Odebrecht: Benedicto Júnior, chefe do Departamento de Operações Estruturadas, eufemismo para setor de propinas, contou que a empreiteira repassou dinheiro sujo para as campanhas de Alckmin em 2010 e 2014.

O executivo Carlos Armando Paschoal declarou que, na campanha de 2010, R$ 2 milhões foram entregues ao cunhado Adhemar. "Passei a contactar o Adhemar Ribeiro, que definia locais de entrega dos recursos. As entregas foram preponderantemente feitas no escritório dele."

Alckmin faria um bem extraordinário a si mesmo e à sua campanha se convocasse uma entrevista coletiva para revelar ao eleitorado até onde vai o seu apreço pela prestação de contas. Precisa reagir às denúncias, nem que seja fazendo uma cara de nojo. Não basta dizer que o cunhado é rico. Convém exibir a escrituração dos milhões. Ou demonstrar que os delatores mentem.

Normalmente, o direito ao contraditório é exercido no escurinho do inquérito. Mas Alckmin pede votos para ocupar a poltrona de presidente da República. Faz isso num instante em que a plateia emite sinais de intolerância à corrupção. Ou o candidato esclarece as coisas sob refletores ou sua "transparência absoluta" terá sempre um quê de fumê. A defesa de Alckmin, a propósito, já menciona a hipótese de pedir o trancamento da ação.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.