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Josias de Souza

Na ONU, Temer discursa como um fake estadista

Josias de Souza

25/09/2018 16h34

Em plena era da fake news, Michel Temer pronunciou na abertura da sessão de debates da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, o discurso de um fake estadista (veja a íntegra). Redigida a muitas mãos, a fala baseou-se em verdades paralelas. Acomodaram-se nos lábios de Temer as declarações que convinham ao orador, sem preocupações com o desmentido dos fatos.

O suposto presidente do Brasil declarou coisas assim: "Restauramos a credibilidade da economia". Ou assim: "Devolvemos o Brasil ao trilho do desenvolvimento." Na volta, Temer não pisará apenas o solo brasileiro. Ele devolverá a sola dos sapatos à realidade. Não uma realidade qualquer, mas a rotina de um dos governantes mais abominados do planeta. Sua taxa de desaprovação, medida em pesquisa divulgada pelo Ibope na semana passada, bateu em 90%.

Ou seja: na avaliação de nove em cada dez brasileiros, o Temer que discursou na ONU é uma falsa criatura. O Temer verdadeiro virou sujeito oculto na campanha presidencial. Henrique Meirelles, seu ex-ministro da Fazenda, hoje presidenciável do seu partido, o MDB, trata Temer como lixo hospitalar. Foge do contágio.

O fake Temer soou ainda mais parecido com um estadista nos trechos em que verbalizou ideias abominadas pelo orador que o sucedeu na tribuna, Donald Trump. Na contramão do presidente dos Estados Unidos, Temer defendeu o multilateralismo, criticou o protecionismo e pregou o acolhimento aos refugiados. Seria um belo discurso se os lábios que o pronunciaram merecessem respeito.

O problema de Temer é que tudo virou epílogo na sua biografia depois do grampo do Jaburu. A partir de 1º de janeiro, quando dará posse ao sucessor, Temer será transportado para outro mundo. Nele, não haverá plateias de chefes de estado, mas delegados da Polícia Federal e juízes. Os discursos na ONU serão substituídos por interrogatórios.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.