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Josias de Souza

Bolsonaro tenta inventar a coalizão sem partido

Josias de Souza

25/11/2018 05h41

Enquanto o noticiário se ocupa da polêmica mais recente —Escola sem Partido—, Jair Bolsonaro tenta colocar em pé a principal novidade da temporada pós-eleitoral: a coalizão sem partido. A oligarquia partidária já sentiu o cheiro de enxofre. Mas evita o confronto em campo aberto. O alto comando do fisiologismo cava suas trincheiras no Congresso em silêncio. Sabe que está em desvantagem, pois se alguém apresentasse no Legislativo uma proposta de dissolução imediata dos partidos seria aplaudido de pé nas esquinas de todo país.

Não é que Bolsonaro tenha levado ao pé da letra a promessa de acabar com o toma-lá-dá-cá. É dando que o capitão espera obter votos no Congresso. A diferença é que ele imagina ter encontrado uma maneira de camuflar o código de barras. Dividiu o território da Esplanada dos Ministérios em três pedaços: dois que serão presumivelmente geridos com seriedade, e outro nem tanto. Nos pedaços que todos presumem sérios, foram acomodados militares da reserva, como o general Augusto Heleno (GSI); e técnicos como Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia).

No terceiro pedaço, estão os ministérios a serviço do fisiologismo. Coisa fina: Agricultura, Educação e Saúde, por exemplo. Na campanha, Bolsonaro rasgou o sistema político-partidário. Eleito, costura o casaco do lado avesso. Em vez de fechar negócio com o partido par ou com a legenda ímpar, negociou ministérios com frentes parlamentares temáticas. Imagina que sairá mais barato.

Num esforço para melhorar a coreografia, Bolsonaro evitou acertos com o PTB de Roberto Jefferson, o PR de Valdemar Costa Neto e assemelhados. Numa evidência de que não é fácil modificar integralmente o cenário, o presidente eleito encostou seu futuro governo nas bancadas do Boi, da Bíblia e da Saúde. A turma da Bala aguarda na fila.

Por um instante, imaginou-se que, sob Bolsonato, a Presidência da República seria da cota do DEM, pois calhou de as bancadas suprapartidárias indicarem deputados do ex-PFL. Além de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que cosquistara a chefia da Casa Civil, foram guindados ao primeiro escalão dois representantes do DEM de Mato Grosso do Sul na Câmara: Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Tereza Cristina (Agricultura).

Descobriu-se na sequência que, no novo governo, o Palácio do Planalto pertence, na verdade, à cota dos evangélicos. Para além do poder de indicar, a banda da Bíblia usufrui do privilégio de vetar ministros. Enviou à fogueira o educador Mozart Neves Ramos, que cometeu o pecado de não beijar a cruz do projeto de Escola sem Partido. Os parlamentares de Cristo celebraram a indicação do colombiano Ricardo Vélez Rodríguez.

"A bancada evangélica é importante, não é para mim, é para o Brasil", disse Bolsonaro neste sábado (24). "A pessoa indicada (para a Educação) não é evangélica, mas atende aquilo que a bancada evangélica defende como os princípios, valores familiares, respeito à criança… Formar alguém que seja útil para o Brasil e não para o seu partido."

A maneira como Bolsonaro se prepara para governar tornou-se surpreendente porque ninguém prestava muita atenção no personagem antes de ele virar um fenômeno eleitoral. O histórico parlamentar e a origem do mandato presidencial revelam que Bolsonaro não gosta de se coligar com ninguém. Nos seus 28 anos como deputado, nunca foi visto numa reunião com líderes partidários para negociar um projeto. Sempre preferiu a encrenca à concórdia. Na corrida presidencial, se pudesse, não teria se coligado nem com o seu partido, o PSL.

Há políticos cujo temperamento permitiu que formassem grandes coligações. Foi o caso, por exemplo, de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, duas almas acomodatícias. Lula, embora também fosse afeito à negociação, optou por compor sua coalizão levando à fronteira do paroxismo o fisiologismo praticado sob Sarney e FHC. O mensalão e o petrolão, esquemas de compra de apoio parlamentar com moeda sonante, tiveram origem no primeiro reinado de Lula. Deu em cadeia.

Outros presidentes tentaram governar acima dos partidos políticos antes de Bolsonaro. Os casos clássicos são os de Fernando Collor de Mello e Jânio Quadros. Deram-se mal. Um foi enxotado do Planalto. Outro bateu em retirada. O que há de diferente no caso de Bolsonaro é o uso das frentes parlamentares temáticas como estepes dos partidos clássicos, quase todos em processo de autocombustão. Como sucede em qualquer transação mercantil, será preciso fazer uma conta do tipo custo-benefício.

A chance de a manobra de Bolsonaro dar certo é pequena. Além das emboscadas que a oligarquia partidária planeja realizar, não é certo que os membros das bancadas temáticas, habituados às mobilizações em torno de causas específicas, se animarão a pegar em lanças por um pacote de reformas que inclui da reviravolta na Previdência ao embrulho anticorrupção. Seja como for, Bolsonaro sempre poderá alegar que tentou fazer algo diferente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.