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Josias de Souza

Bolsonaro quer índio ‘igual a nós’! O que é igual?

Josias de Souza

06/12/2018 21h00

Um grupo de cerca de 80 indígenas, representantes de 40 etnias, foi ao escritório do governo de transição para tentar um contato com Jair Bolsonaro. Eles tinham um pedido a fazer: queriam que a Funai permanecesse no Ministério da Justiça, que será comandado por Sergio Moro. Os índios não foram recebidos. E a reivindicação que eles não tiveram a oportunidade de fazer foi ignorada.

Depois de cogitar o encaixe da Funai no organograma da Agricultura, onde as terras indígenas ficariam automaticamente subordinadas aos interesses do agronegócio, Bolsonaro decidiu enfiar a entidade que cuida dos índios dentro do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A pasta será chefiada pela pastora evangélica Damares Alves —uma espécie de sub-Magno Malta, de quem ela foi assessora.

O grupo de indígenas tinha uma razão objetiva para pedir que a Funai ficasse com Sergio Moro. Um dos grandes problemas dos índios brasileiros é o eterno conflito fundiário. E o único ministério aparelhado para deter a violência é o da Justiça, que dispõe da força da Polícia Federal. Mas o novo governo acha que tudo ficará bem porque a ministra Damares é "mãe de uma índia" e Bolsonaro está decidido a integrar os índios à sociedade.

Na velha marcha de Carnaval, o índio queria apito. Hoje, diz Bolsonaro, "o índio quer médico, quer dentista, quer televisão, quer internet." O capitão promete: "Vamos proporcionar meios para que o índio seja igual a nós." Faltou definir o que é "igual a nós" num país em que, segundo o IBGE, o número de pobres roça a casa dos 55 milhões de brasileiros. Essa gente, que tenta sobreviver com até R$ 406 por mês, deveria formar uma nova tribo e marchar sobre Brasília para exigir de Bolsonaro o que ele promete aos índios: uma grande reserva, com segurança de condomínio fechado, médicos do Sírio Libanês, dentistas bancados pelo contribuinte, TV a cavo e internet de graça.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.