Tiros na igreja deveriam servir como aviso divino
A apenas 20 dias da posse de um novo presidente que promete empenho para facilitar o acesso dos brasileiros às armas, um homem matou a tiros quatro pessoas, suicidando-se em seguida. A cena ocorreu no final de uma missa. Deu-se em plena Catedral Metropolitana de Campinas (SP). Se o Brasil fosse um país lógico, Jair Bolsonaro enxergaria na tragédia um aviso divino para rever sua obsessão.
Hoje, o medo da violência segue as pessoas como uma sombra. Chega sempre acompanhado da descrença na capacidade do Estado de prover proteção. A despeito disso, a maioria dos brasileiros (55%) ainda prefere a proibição do acesso às armas por acreditar que elas representam uma ameaça à vida dos outros. O dado foi levantado pelo Datafolha numa pesquisa realizada há dois meses, em outubro.
Alheio à posição majoritária, o capitão Bolsonaro quer porque quer arrancar do Congresso uma liberalização da posse de armas. Alega-se que, com uma arma em casa, o sujeito se sentirá mais seguro. Nessa versão, o risco de reação inibiria a ação dos bandidos. Cria-se uma realidade hipotética para sufocar a evidência de que a suposta segurança oferecida pela arma não passa de uma ilusão arriscada.
Existem vários tipos de coragem, todos muito admiráveis. Mas alguns tipos, como a coragem de defender a proliferação das armas, aproximam-se mais da patologia. Falta lógica ao movimento. A bandidagem terá acesso facilitado à armaria, roubando as peças em casas de família ou adquirindo-as na loja da esquina.
De resto, uma arma em casa é um convite à tragédia. O sujeito pode propiciar com seus descuidos os disparos acidentais feitos por crianças desavisadas. Com uma arma ao alcance da mão, a pessoa também pode cometer suicídio numa noite de depressão. Também pode matar cônjuge e filhos após uma bebedeira. No limite, o cidadão pode levar seu calibre 38 à catedral da cidade, para passar quatro almas no chumbo ao final da missa, matando-se na sequência.
Vá lá que Bolsonaro admire Donald Trump. Mas não precisa importar o fetiche dos americanos pela arma. De um novo presidente, espera-se que seja sensato e honesto, não que saia pelo Planalto atirando (más) ideias a esmo.
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