Topo

Josias de Souza

Tiros na igreja deveriam servir como aviso divino

Josias de Souza

11/12/2018 20h12

A apenas 20 dias da posse de um novo presidente que promete empenho para facilitar o acesso dos brasileiros às armas, um homem matou a tiros quatro pessoas, suicidando-se em seguida. A cena ocorreu no final de uma missa. Deu-se em plena Catedral Metropolitana de Campinas (SP). Se o Brasil fosse um país lógico, Jair Bolsonaro enxergaria na tragédia um aviso divino para rever sua obsessão.

Hoje, o medo da violência segue as pessoas como uma sombra. Chega sempre acompanhado da descrença na capacidade do Estado de prover proteção. A despeito disso, a maioria dos brasileiros (55%) ainda prefere a proibição do acesso às armas por acreditar que elas representam uma ameaça à vida dos outros. O dado foi levantado pelo Datafolha numa pesquisa realizada há dois meses, em outubro.

Alheio à posição majoritária, o capitão Bolsonaro quer porque quer arrancar do Congresso uma liberalização da posse de armas. Alega-se que, com uma arma em casa, o sujeito se sentirá mais seguro. Nessa versão, o risco de reação inibiria a ação dos bandidos. Cria-se uma realidade hipotética para sufocar a evidência de que a suposta segurança oferecida pela arma não passa de uma ilusão arriscada.

Existem vários tipos de coragem, todos muito admiráveis. Mas alguns tipos, como a coragem de defender a proliferação das armas, aproximam-se mais da patologia. Falta lógica ao movimento. A bandidagem terá acesso facilitado à armaria, roubando as peças em casas de família ou adquirindo-as na loja da esquina.

De resto, uma arma em casa é um convite à tragédia. O sujeito pode propiciar com seus descuidos os disparos acidentais feitos por crianças desavisadas. Com uma arma ao alcance da mão, a pessoa também pode cometer suicídio numa noite de depressão. Também pode matar cônjuge e filhos após uma bebedeira. No limite, o cidadão pode levar seu calibre 38 à catedral da cidade, para passar quatro almas no chumbo ao final da missa, matando-se na sequência.

Vá lá que Bolsonaro admire Donald Trump. Mas não precisa importar o fetiche dos americanos pela arma. De um novo presidente, espera-se que seja sensato e honesto, não que saia pelo Planalto atirando (más) ideias a esmo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.