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Josias de Souza

Palavras de Paulo Guedes são rifles carregados

Josias de Souza

03/01/2019 05h05

Nesta fase de chegada dos novos ministros às suas pastas, coube a Paulo Guedes pronunciar o discurso mais relevante. Ele se rendeu à máxima segundo a qual não se faz uma omelete sem quebrar os ovos. Ainda não sabe se conseguirá executar a sua receita de reforma do Estado. Mas tomou gosto pelo crec-crec. Para amplificar o barulho das cascas se quebrando, o Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro entoou um discurso em que as palavras soaram como rifles carregados.

Para o czar da economia, as contas públicas vão mal porque corsários da iniciativa privada, larápios do serviço público e escroques da política vão muito bem. "A máquina do governo virou uma gigantesca engrenagem de transferências perversas de renda. Em todas as suas dimensões", disse o superministro.

Paulo Guedes lastimou a política dos "campeões nacionais", que abriu as arcas de bancos públicos para gigantes como a JBS durante os governos dos PT. "Não foi para o microcrédito que bancos públicos se perderam, eles se perderam nos grandes programas em que piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro. O Brasil foi corrompido pelo excesso de gastos, e o Brasil parou de crescer pelo excesso de gastos".

Embora não tenha esmiuçado seus projetos, Paulo Guedes informou que perseguirá três prioridades: a reforma da Previdência, as privatizações e a simplificação do sistema de impostos. Ao esclarecer por onde pretende começar —"O primeiro e o maior de todos os gastos é com a Previdência, que atualmente é fábrica de desigualdades"—, o ministro apontou sua retórica explosiva na direção de duas castas que levam a mão enluvada ao bolso do conbtribuinte para extrair todas as vantagens que os cofres públicos já não suportam custear.

"Quem legisla tem as maiores aposentadorias, quem julga tem as maiores aposentadorias, o povo brasileiro, as menores", declarou Paulo Guedes. Estavam na plateia os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Supremo, Dias Toffoli. A mexida na Previdência, disse o ministro, "é o primeiro e maior desafio a ser enfrentado. Se for bem-sucedido esse enfrentamento, a dois meses, três meses à nossa frente, nós temos dez anos de crescimento sustentável pela frente."

Apesar de ser um neófito nas mumunhas do Poder brasiliense, Paulo Guedes não briga com a realidade. Sabe que muitos ministros que tentaram aprovar reformas liberais apertando o nó no pescoço de corporações públicas e privadas terminaram enforcados. Mas não esboça preocupação.

"Estamos indo para esse combate determinados a sermos compreendidos. Sem essa compreensão, não vai dar certo. Coisa mais fácil é se livrar de alguém que não está habituado a Brasília. Basta dar um baile e a gente desanima e vai para casa. Vai ser difícil."

É sintomático que o ministro tenha lançado um olhar para a porta de saída já no seu pronunciamento inaugural. Num dos raros momentos em que desarmou a retórica, Paulo Guedes classificou seu discurso como "uma conclamação, um pedido de ajuda." Mas retomou os disparos na sequência, para avisar que já preparou um plano de contingência para o caso de naufrágio da reforma da Previdência.

Parte da plateia sorriu. Mas o orador falava sério: "Se não aprovarmos, nós temos que dar um passo mais profundo ainda. Dizer o seguinte: 'olha, agora ou desindexa tudo, desvincula tudo [no Orçamento da União], ou não há solução'. O bonito é que se der errado pode dar certo."

Como assim? "Se der errado a aprovação da reforma da Previdência, que é a mais importante de todas, que nos dará esse horizonte fiscal, é bastante provável que a classe política dê um passo à frente e realmente assuma o comando sobre o Orçamento."

Ora, hoje mais de 90% do Orçamento da União é feito de despesas fixas, imexíveis. Coisa muito cômoda, pois os congressistas ficam desobrigados de queimar os miolos para decidir em que áreas as verbas públicas devem ser aplicadas.

Na opinião de Paulo Guedes, os políticos estão com a imagem no chão porque a opinião pública percerbeu que eles têm "muitos privilégios e poucas atribuiçõs."

Aventurando-se na seara política, o ministro prosseguiu: "O resultado dessas eleições foi o quê? Foi um recado em alto e bom som, dizendo o seguinte: os senhores têm muitos privilégios e poucas atribuições. Não estão conseguindo ajudar o país."

O brasileiro observa Paulo Guedes quebrando ovos com seus disparos verbais e não sabe se comemora a perspectiva de obter, finalmente, uma omelete qualquer ou se mantém a tradição de escolher entre fazer o papel de bobo ou de cínico.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.