Topo

Josias de Souza

Bolsonaro pode fugir da imprensa, não do espelho

Josias de Souza

23/01/2019 17h10

O Plano A era aproveitar cada holofote do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, para expor a cara e as ideias de Jair Bolsonaro e de seus principais ministros numa vitrine planetária. Mas o derretimento da biografia de Flávio Bolsonaro forçou os estrategistas do Planalto a esboçar um Plano B em cima do joelho. O capitão e sua comitiva dedicam-se agora a brincar de esconde-esconde.

Sob atmosfera de contrangimento e perplexidade, a assessoria do Planalto cancelou uma entrevista coletiva de Bolsonaro e dos três ministros que o acompanham: Sergio Moro (Justiça), Paulo Guedes (Economia) e Ernesto Araújo (Itamaraty). Alegou-se que os jornalistas exibem "comportamento antiprofissional."

Horas antes, entrevistado pela agência Bloomberg, Bolsonaro passara pelo constrangimento de ser questionado sobre as estripulias do seu filho mais velho. Retirou do bolso do colete uma resposta ensaiada: "Se por acaso ele errou e isso for provado, lamento como pai, mas ele terá de pagar o preço por esses atos que não podemos aceitar."

Flávio Bolsonaro e seus enroscos seriam temas obrigatórios para a coletiva vespertina. Mas o capitão não havia ensaiado um segundo ato. E preferiu não passar pelo vexame de responder sobre corrupção ao lado do ex-juiz da Lava Jato, que também seria crivado de indagações incômodas sobre o primogênito do chefe.

A má notícia é que o investimento com a viagem que serviria para projetar uma nova imagem do Brasil no estrangeiro tornou-se uma variante do hábito de jogar dinheiro público pela janela. A boa notícia é que, ao trocar a superexposição pela rota de fuga, Bolsonaro expõe um certo sentimento de vergonha com o que se passa nos subterrâneos de sua dinastia.

Logo, logo o capitão perceberá que fugir da imprensa não resolve o problema. Qualquer autoridade com meia dúzia de seguranças pode se livrar de um grupo de repórteres chatos. Mas ninguém consegue escapar do espelho, cujo reflexo produz avaliações de uma franqueza brutal e irretocável.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.