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Josias de Souza

Defesa da Vale deseja que país se finja de bobo

Josias de Souza

28/01/2019 15h36

A pretexto de refutar a hipótese de afastamento cautelar da diretoria da mineradora Vale, o advogado Sergio Bermudes, defensor da companhia, declarou o seguinte sobre a tragédia provocada pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG): "Não houve negligência, imprudência, imperícia."

Em entrevista à repórter Mônica Bergamo, Bermudes adotou uma linha de defesa muito parecida com a tática do avestruz. Fechou os olhos para os indícios que se misturam à lama. E enfiou a cabeça nos seus autocritérios: "Não há necessariamente um culpado, não há necessariamente culpa. Ou não haveria casos fortuitos ou ocasionados por motivos de força maior."

Um advogado tem o dever de prover ao cliente a melhor defesa que sua astúcia for capaz de conceber. Normalmente, busca-se o reconhecimento da inocência. Mas num caso como o de Brumadinho os fatos desaconselham o manuseio da tese segundo a qual a culpa é de ninguém. Ou do "fortuito."

Na véspera, Fabio Schvartsman, presidente da Vale, afirmara ter seguido "a orientação dos técnicos" quanto à segurança da barragem que se rompeu. "E esse negócio deu no que deu. Quer dizer, não funcionou —100% dentro de todas as normas e não houve solução."

"Qual é a solução então?", indagou Schvartsman a si mesmo. "Me parece que só tem uma. Nós temos de ir além de toda e qualquer norma internacional. Além e acima. Vamos criar um colchão de segurança bastante superior ao que a gente tem hoje para garantir que nunca mais aconteça um negócio desse."

Estava entendido que, depois dos descalabros que resultaram no rompimento da barragem de Mariana (MG), a Vale providenciaria "um colchão de segurança bastante superior" ao que havia há três anos e dois meses. O próprio Fabio Schvartsman, que assumiu o comando da mineradora nas pegadas da tragédia anterior, dizia que sua prioridade era evitar que "um negócio desse" voltasse a ocorrer.

É contra esse pano de fundo que Bermudes sustenta que "não houve negligência" e "não há necessariamente um culpado." É como se o doutor cutucasse os sobreviventes e as famílias dos mortos de Brumadinho com o pé, para ver se eles mordem. É como se pedisse ao Brasil para se fingir de bobo pelo bem da Vale. Os cadáveres de Brumadinho dificultam o atendimento do pedido.

Atualização feita às 16h19 desta segunda-feira (28): A Vale divulgou nota oficial para desautorizar as declarações do seu advogado. Veja aqui.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.