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Josias de Souza

Barroso sinaliza que denúncia contra Temer é consistente

Josias de Souza

04/02/2019 16h28

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, enviou nesta segunda-feira para a 10ª Vara Federal de Brasília a denúncia contra Michel Temer no caso dos portos. Anotou que, com o término do mandato de presidente da República, Temer perdeu a prerrogativa de ser julgado na Suprema Corte. (leia a íntegra aqui) A despeito de reconhecer que já não dispõe de competência para atuar como relator do caso, Barroso sinalizou, por assim dizer, qual seria sua decisão caso o processo contra Temer permanecesse sob seus cuidados.

O ministro escreveu que a denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, "descreve detalhadamente o funcionamento de um esquema duradouro de corrupção que se teria formado em torno do ex-presidente da República, Michel Temer. Em suma, o denunciado teria se valido largamente de seus cargos públicos, ao longo de mais de 20 anos, para conceder benefícios indevidos a empresas do setor portuário, em troca de um fluxo constante de pagamento de propinas."

Barroso prosseguiu: "Segundo a peça acusatória, o sistema de corrupção do tipo 'conta corrente' – isto é, em que os pagamentos eram realizados com habitualidade, tanto como retribuição às vantagens já obtidas como para estimular a concessão de novos favores – era operacionalizado principalmente por meio de contratos fictícios de prestação de serviços com empresas de fachada, controladas por Michel Temer e João Baptista Lima Filho."

Em timbre de lamento, o ministro anotou: "Apesar da gravidade dos fatos narrados, não cabe mais a este relator decidir sobre a instauração da ação penal e os pedidos de prisão preventiva." Barroso lembrou que a Polícia Federal havia requisitado duas prisões: a do coronel João Baptista Lima Filho, espécie de faz-tudo de Temer, e de Carlos Alberto Costa. Explicou que não recebeu a tempo manifestação que havia solicitado a Raquel Dodge.

"O inquérito que subsidia a denúncia me foi encaminhado, com o relatório final, em 16.10.2018", explicou Barroso. "Na mesma data, encaminhei os autos à Procuradoria-Geral da República, com um breve resumo dos fatos, das provas e das imputações. A denúncia ora examinada foi apresentada no dia 19.12.2018, às 19h18min. Tratava-se do último dia de funcionamento regular desta Corte antes do início do recesso forense (Lei no 5.010/1966, art. 62, I)."

Quer dizer: a denúncia de Raquel Dodge chegou quando as férias do Supremo já haviam começado. "A denúncia foi protocolada quando já iniciado o recesso, os trabalhos regulares da Corte estavam suspensos (RI/STF, art. 78, § 2o), de modo que este relator já não mais detinha atribuição para examinar os pedidos de prisão preventiva de João Baptista Lima Filho e Carlos Alberto Costa, formulados pela autoridade policial, e de remessa dos autos ao Congresso Nacional para juízo político prévio pela Câmara dos Deputados."

Para bom entendedor, Barroso sinalizou nas entrelinhas do seu despacho que: 1) votaria pela abertura de ação penal contra Temer caso a denúncia ainda estivesse sob sua relatoria; 2) expediria os mandados de prisão solicitados pela Polícia Federal se Raquel Dodge tivesse respondido ao seu pedido de manifestação antes do início do recesso do Judiciário.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

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