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Josias de Souza

Espremido por Gilmar Mendes, Fisco pede vista

Josias de Souza

12/02/2019 05h14

Gilmar Mendes foi duro com o Fisco. "A Receita não pode ser convertida numa Gestapo ou num organismo de pistolagem de juízes e promotores", declarou o ministro do Supremo diante da notícia de que auditores fiscais esquadrinhavam suas declarações de Imposto de Renda e as de sua mulher Guiomar Mendes. "Se eles fazem isso com ministro do STF, o que não estarão fazendo com o cidadão comum?"

Carteirada ou defesa da magistratura? Na dúvida, o comando da Receita Federal achou melhor pedir vista. Para ganhar tempo, divulgou uma nota contraditória. Nela, desmente tudo e confirma qualquer outra coisa. Fica-se com a sensação de que o inconveniente de hoje pode virar a conveniência de amanhã.

A Receita esclarece que "não pactua com o vazamento de informações ou com ilações de prática de crimes sem provas." Reconhece, entretanto, que o papelório escoado para o noticiário não é ficcional. "O dossiê onde os documentos estavam autuados foi identificado".

Em timbre categórico, a Receita informa que "não há procedimento de fiscalização em desfavor dos contribuintes" Gilmar e Guiomar. Mas não exclui a hipótese de que a coisa venha a existir, pois os achados preliminares "podem ou não resultar, de forma motivada, em abertura de procedimento de fiscalização."

A Receita explica que cabe aos seus auditores "combater fraudes fiscais", não "possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência". Admite, porém, que sua turma não pode ignorar malfeitos que extrapolam a esfera fiscal. Portaria de 2018 determina que, "havendo indícios", deve "ser elaborada a competente representação para fins penais."

Como se vê, a Receita ainda não decidiu de que forma vai tratar Gilmar. Sabe-se apenas que será implacável com os responsáveis pelo dreno que escoou informações para fora dos seus arquivos. "A identificação e a responsabilização pelo vazamento estão sob apuração em procedimento específico, conduzido pela Corregedoria da Receita Federal.", informa o documento da Receita.

A caça aos vazadores é do jogo. O que incomoda é a impressão de que a fome dos fiscais se mistura na nota oficial à vontade de não comer dos dirigentes do Fisco.

Vai abaixo a íntegra da nota da Receita Federal:

Com relação às informações divulgadas na Coluna Radar, da Revista Veja,  intitulada "Receita abre investigação sobre o patrimônio de Gilmar Mendes  e sua mulher", em 08 de fevereiro de 2019, a Receita Federal presta as  seguintes informações:

  1. A Receita Federal tem como valor fundamental a proteção intransigente dos dados dos contribuintes e não pactua com o vazamento de informações ou com ilações de prática de crimes sem provas.
  2. Não há procedimento de fiscalização em desfavor dos contribuintes citados.
  3. As expressões "possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência" constantes no documento que acompanha a matéria, não estão amparadas em evidências verificadas durante o procedimento de análise preliminar, de caráter interno, que podem ou não resultar de forma motivada em abertura de procedimento de fiscalização.
  4. A Fiscalização da Receita Federal atua para combater fraudes fiscais, ou seja, a investigação de outras tipologias penais não é competência primária da Receita Federal, sem prejuízo de, no curso de procedimento de fiscalização serem identificados indícios de prática em tese de outros crimes, hipótese em que deverá ser elaborada a competente Representação para Fins Penais, conforme disciplinado pela Portaria RFB no 1.750, de 12 de novembro de 2018.
  5. O dossiê onde os documentos estavam autuados, foi identificado, bem como todas as pessoas que tiveram acesso ao procedimento de tramitação restrita.
  6. A identificação e a responsabilização pelo vazamento estão sob apuração em procedimento específico, conduzido pela Corregedoria da Receita Federal.

Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação Institucional RFB

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.