Na Era da Lava Jato, surge o peculato por amor
Um homem só se conhece quando é tomado pelo desejo de conquistar uma mulher. Quando o sujeito se dedica à política, há um segundo teste: como o homem reage diante de um cofre público. Demóstenes Meira (PTB), prefeito de Camaragibe, na região metropolitana de Recife, encontra-se submetido ao duplo desafio de julgar o seu próprio comportamento num instante em que tenta causar boa impressão à noiva Taty Dantas e, simultaneamente, observar a moralidade pública.
Pense em tudo que você já fez para conquistar uma mulher. Os falsos telefonemas por engano, só para ouvir a voz dela. As bobagens que você ensaiou e disse como se tivesse pensado na hora. Os bilhetes que você escreveu sem o socorro da autocrítica. Aquele adolescente bobão era você. O adulto em que você se transformou é mero disfarce.
Com Demóstenes Meira ocorre mais ou menos a mesma coisa. A diferença é que, no esforço que empreende para impressionar a sua Taty, o prefeito transfere o papel de bobo para o contribuinte. No último domingo, o personagem exigiu que os servidores comissionados da prefeitura comparecessem a um show de Carnaval estrelado por sua noiva. Sim, Taty é cantora. Nas horas vagas, responde pelo posto de secretária municipal de Assistência Social de Camaragibe.
Num desses arroubos juvenis, o prefeito enviou via WhatsApp uma convocação para que o "tropão" fizesse número na apresentação da noiva, adensando a plateia. "Tropão" é como Demóstenes se refere à legião de apaniguados que ele empurrou para dentro da folha da prefeitura. Após formalizar a convocação, o noivo de Taty ameaçou: "A gente vai filmar e eu vou contar quantos cargos comissionados foram."
Ouvido a respeito do disparate, Demóstenes tratou a anormalidade como se fosse normal. Diferenciou os servidores concursados dos comissionados. Acha que funcionários do segundo tipo, que ele contrata e demite como bem entender, têm mesmo a obrigação de satisfazer as suas vontades. Por uma trapaça da sorte, alguém espalhou o áudio do prefeito nas redes sociais. E o Ministério Público de Pernambuco decidiu trazer os pés do prefeito, que levitam de amor por Taty, de volta para o chão.
O procurador-geral de Justiça do Estado, Francisco Dirceu Barros, mandou abrir uma investigação. Suspeita-se que o prefeito, movido pelo desejo de impressionar a noiva, cometeu contra os cofres do município o crime de peculato, que consiste em usufruir dos recursos públicos para fins privados e pessoais. Demóstenes, decerto, invocará o princípio da legítima defesa, tonificado pelo pacote de Sergio Moro. Alegará que pecou por "medo" de perder Taty e pela "violenta emoção" propiciada pela perspectiva de converter o noivado em casamento.
Em plena Era da Lava Jato, inventou-se em Pernambuco o peculato por amor. Uma evidência de que, na política, amar não é coisa para amadores.
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