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Josias de Souza

Bolsonaro reúne os líderes que tentou desprezar

Josias de Souza

26/02/2019 02h46

Nos primeiros dois meses de governo, Jair Bolsonaro equilibrou-se num salto mais alto do que a prudência recomendava. Viveu a ilusão de que obteria governabilidade no Legislativo relacionando-se apenas com as bancadas temáticas. Na semana passada, ao comparecer ao Congresso para entregar pessoalmente a reforma da Previdência, o capitão trocou o modelo agulha por um discreto salto Anabela, mais compacto e próximo do chão. Nesta terça-feira, ao receber para uma conversa os líderes partidários que desejava desprezar, Bolsonaro será convidado a calçar as  sandálias da humildade.

O presidente tentou consolidar a imagem do governante que se divorciaria da política do toma-lá-dá-cá. Rejeitou o velho modelo como se jurasse viver separado dos líderes que encarnam a velha política até que a morte os juntasse. Sem votos no Legislativo, Bolsonaro descobre agora, mais cedo do que gostaria, que o grande problema de um rompimento político definitivo é a reconciliação constrangedora. Os líderes da banda profissional do Legislativo colocam Bolsonaro na roda.

Está entendido que é dando que o novo governo receberá os votos de que necessita no Legislativo. O ressurgimento da ciranda desgasta a imagem do presidente. O tamanho desse desgaste depende da capacidade de Bolsonaro de fazer uma conta do tipo custo-benefício, impondo limites ao balcão. O presidente ainda finge ser protagonista de um enredo original. Chama de "banco de talentos" o sistema de preenchimento de cargos públicos baseado no apadrinhamento fisiológico. Logo, logo Bolsonaro perceberá com quem está lidando.

Nesse jogo, vale uma máxima cunhada pelo deputado mineiro José Bonifácio, que morreu há 33 anos. Zezinho Bonifácio, como era conhecido, dizia o seguinte aos deputados novatos:  "Aqui no Congresso tem de tudo. Tem ladrão, tem honesto, tem canalha, tem gente séria… Só não tem bobo." Bolsonaro sabe como a coisa funciona, pois passou 28 anos de sua vida dentro da Câmara dos Deputados. Os líderes partidários, agora reconhecidos como interlocutores necessários, querem apenas abreviar o surto de amnésia do presidente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.