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Josias de Souza

Gilmar, Aloysio e Paulo Preto deram expediente no Planalto na mesma época

Josias de Souza

07/03/2019 04h31

Gilmar Mendes, Aloysio Nunes Ferreira e Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, trabalharam no Palácio do Planalto na mesma época. Deu-se durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar atua em processos nos quais Aloysio e Paulo Preto estão encrencados. Magistrados mais ortodoxos se considerariam impedidos de julgar tais causas. Mas Gilmar não cogitou essa hipótese.

Dos três personagens, Gilmar foi o que chegou primeiro ao Planalto. Entre 1996 e 2000, atuou como subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. Depois, foi promovido a Advogado-Geral da União, posto que ocupou até junho de 2002. O tucano Aloysio Nunes assumiu em 1999 a poltrona de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Convidou o engenheiro Paulo Preto para acompanhá-lo.

Aloysio exerceu as atribuições de ministro palaciano até agosto de 2001. Serviu-se dos bons préstimos de Paulo Preto durante todo o período —primeiro como assessor técnico, depois como assessor especial. Paulo Preto chegou a comandar no Planalto uma equipe de três dezenas de servidores.

Apontado como operador de propinas do PSDB paulista, Paulo Preto está preso em Curitiba desde 19 de fevereiro. Seu advogado, José Roberto Santoro, utiliza todos os estratagemas à disposição para atingir o subterfúgio de assegurar que seus recursos sejam apreciados por Gilmar. Uma das petições aguarda julgamento. Nela, o defensor de Paulo Preto tenta transferir o seu cliente do inferno da Lava Jato de Curitiba para o Éden da Justiça Eleitoral de São Paulo.

Alega-se que a investigação que corre na capital paranaense estaria relacionada com um inquérito que o Supremo já remeteu para a Justiça Eleitoral paulista no último dia 13 de fevereiro. Lorota. A procuradora-geral da República Raquel Dodge e a juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, já informaram a Gilmar que um caso não tem nada a ver com o outro.

Em Curitiba, apura-se delação da Odebrecht sobre esquema criminoso de repasse de propinas a agentes políticos por meio de Paulo Preto. Descobriu-se, por exemplo, que o operador tucano mantinha R$ 131 milhões em quatro contas na Suíça. Fornecia cartões de crédito para políticos. Um deles foi emitido em nome de Aloysio Nunes. As contas estavam ativas até 2017.

O processo que desceu à Justiça Eleitoral é protagonizado pelo senador José Serra (PSDB-SP). Refere-se a fraudes em obras do Rodoanel na época em que Serra governou São Paulo. Paulo Preto ingressou nesse enredo em função de ter sido denunciado por sua atuação como dirigentes da estatal paulista Dersa.

Receosos de que Gilmar defira o pedido da defesa de Paulo Preto, abrindo sua cela e devolvendo-o a São Paulo, os procuradores da força-tarefa de Curitiba pediram nesta Quarta-feira de Cinzas à procuradora-geral Raquel Dodge que protocole no Supremo uma arguição de suspeição do ministro.

O pedido de suspeição não faz referência à proximidade que Gilmar manteve com os encrencados no governo de FHC. Os procuradores da Lava Jato levaram à mesa evidências de que Aloysio "atuou junto" a Gilmar por "interesse próprio" e do operador Paulo Preto. Resgataram-se ligações e mensagens de texto de um aparelho de celular apreendido em batida policial de busca e apreensão no apartamento de Aloysio. Leia aqui reportagem com os detalhes.

De acordo com o relato feito pelos procuradores a Raquel Dodge, Aloysio procurou Gilmar para interceder em favor da concessão de liminar que atrasaria a conclusão de um dos processos que Paulo Preto responde na Lava Jato de São Paulo. A defesa do operador tucano pediu a realização de novas diligências e a oitiva de testemunhas. O STJ negou a liminar. Mas Gilmar deferiu. Alertado pela Procuradoria para o risco de prescrição dos crimes, o ministro recuou na última sexta-feira. Nesta quarta, véspera da prescrição, sobreveio a condenação.

Em nota divulgada na noite passada, a assessoria de Gilmar anotou que a liminar que o ministro concedera em favor de Paulo Preto limitava-se a assegurar diligências requeridas pela defesa. De acordo com o texto, o objetivo era o de "efetivar o devido processo legal". A nota realçou que a decisão foi revogada por Gilmar na sexta-feira.

Não é a primeira vez que procuradores invocam a suspeição de Gilmar. Em 2017, a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro alegara que o ministro não tinha isenção para julgar recursos de Jacob Barata Filho, conhecido como 'Rei do Ônibus'. Entre outros argumentos, os procuradores sustentou que Gilmar e sua mulher, a advogada Guiomar Mendes, foram padrinhos de casamento de Beatriz Barata, a filha do investigado.

O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a formalizar o pedido de impedimento de Gilmar. A peça jamais foi levada ao plenário do Supremo. E Gilmar liberou Jacob Barata da cadeia pelo menos três vezes. Ouvido pelo blog na época, o ministro declarou: "O que o Código de Processo Penal diz é que precisa ter amizade íntima ou inimizade figadal" para que um magistrado se declare impedido de julgar determinada causa.

Gilmar atribuíra as alegações da Procuradoria ao que chamava de "patrulhamento por concessão de habeas corpus." Ele acrescentava: os HCs "podem ser bem concedidos ou mal concedidos. Isso pode ser discutido. Mas não impedir as pessoas de julgarem. Estão querendo é botar medo nas pessoas que concedem habeas corpus. Isso é uma ameaça à garantia das pessoas."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.