Topo

Josias de Souza

Bolsonaro trata Temer com um raro comedimento

Josias de Souza

21/03/2019 20h49

Por uma dessas fatalidades do destino, a prisão de Michel Temer veio no dia em que Jair Bolsonaro fez aniversário de 64 anos. Eleito enrolado na bandeira da ética, o capitão teria todas as razões para soltar fogos e sapatear sobre a tragédia alheia. Mas Bolsonaro teve uma reação discreta. Indagado por repórteres no Chile, onde se encontra, limitou-se a fazer duas declarações bem comportadas.

Numa, disse: "Que cada um responda pelos seus atos, a Justiça nasceu para todos." Noutra, reduziu a prisão de Temer, apresentado pela Lava Jato como um delinquente que viola os cofres públicos há 40 anos, a uma simples consequência "de acordos políticos firmados em nome da governabilidade." Coisa que Bolsonaro diz não ter feito no seu governo.

Deve-se o comedimento de Bolsonaro a duas razões bem objetivas. A primeira razão é a reforma da Previdência. Com a popularidade em baixa, Bolsonaro precisa desesperadamente da aprovação da emenda que muda as regras previdenciárias. Isso é uma pré-condição para que a economia saia da UTI. E o capitão não pode se dar ao luxo de jogar pela janela os votos do MDB, partido de Temer.

A segunda razão é de ordem prática. Aquele Bolsonaro da campanha eleitoral, que se julgava detentor de uma superioridade moral que fazia dele uma espécie de acusador-geral da República… aquele Bolsonaro não existe mais.

Hoje, se tripudiasse sobre Temer, Bolsonaro se arriscaria a ouvir provocações em série: E o Queiroz?, perguntaria alguém. E a conta suspeita do Zero Um?, indagaria outro. E o depósito de R$ 24 mil na conta da madame? E o laranjal do PSL? E os sete ministros sob suspeição? Melhor silenciar. Temer não é bom exemplo para ninguém. Mas tornou-se um extraordinário aviso para Bolsonaro.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.