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Josias de Souza

‘Zero Três’ tropeça na língua e culpa a imprensa

Josias de Souza

25/03/2019 03h28

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) trava um relacionamento conflituoso com sua língua. Voltou a tropeçar nela durante a visita do pai-presidente ao Chile. Depois do tombo, levou um vídeo às redes sociais para culpar a imprensa pelas escoriações.

Numa entrevista, o filho 'Zero Três' de Jair Bolsonaro ecoou Donald Trump: "Todas as opções estão sobre a mesa", repetiu, ao falar dos planos para apear Nicolás Maduro do Poder na Venezuela. Indagado sobre sua opinião pessoal em relação à hipótese de uma intervenção militar, o deputado sapecou:

"Ninguém quer uma guerra. Guerra é ruim porque haverá perda de vidas. Há consequências colaterais. Mas não creio que Maduro vá sair do poder de uma forma pacífica. De alguma maneira, em alguma hora, em alguma medida, será necessário o uso da força porque Maduro é um criminoso."

As declarações deixaram de cabelos hirtos os militares brasileiros. Jair Bolsonaro foi compelido a negar que o Brasil cogite entrar numa aventura militar na Venezuela: "Tem gente divagando sobre isso. De nossa parte não existe essa possibilidade."

O próprio Eduardo Bolsonaro, em litígio permanente com sua língua, teve de desmenti-la. Neste domingo, atribuiu o vexame à imprensa. Embora não ocupe formalmente nenhum cargo no governo do pai, o 'Zero Três' disse que a mídia tenta "dizer que o governo Bolsonaro é um governo confuso, sem claras ideias, que recua, que vai e volta, quando na verdade não é nada disso."

É como se o personagem desejasse incorporar formalmente o papel de chanceler, que vem exercendo oficiosamente. Para o deputado, a imprensa utiliza suas declarações para "desinformar" porque deseja "atrapalhar o governo Bolsonaro por razões certamente ideológicas."

Nada mais parecido com um petista no poder do que a dinastia Bolsonaro no comando. Antes, atribuía-se a tragédia do petismo à "mídia golpista". Agora, culpa-se a "extrema imprensa" pelo desastre dos Bolsonaro. A tática é a mesma. Foi importada da propaganda. Baseia-se numa regra elementar: Personalize!

Qualquer coisa pode ser vendida, do óleo de peroba a uma tese, se tiver uma cara e um enredo. Dê um nome ao seu inimigo, ornamente-o com um rabo e um par de chifres e pronto! Seus problemas acabaram.

A identificação de um demônio para o qual se possa transferir todas as culpas livra os encrencados de qualquer tipo de exame. A começar pelo mais espinhoso: o autoexame. Os bolsonaristas, como os petistas, descobriram o seu demônio: A imprensa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.