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Josias de Souza

‘Governo tenta tornar a oposição desnecessária’

Josias de Souza

27/03/2019 04h56

Líder do bloco de oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) ironiza os desacertos de Jair Bolsonaro com os partidos de tendência governista. "O governo está tentando tornar as forças de oposição desnecessárias", disse.

Em conversa com o blog, Molon declarou que não há uma posição uniforme das legendas oposicionistas em relação à reforma da Previdência. Disse que o seu PSB não nega a necessidade de ajustes, apenas discorda dos termos da proposta apresentada pelo governo. Vai abaixo a entrevista:

— Considerando-se a autossuficiência do governo na produção de crises, acha que a oposição pode tirar férias? O governo está tentando nos tornar desnecessários. A sorte é que a gente trabalha muito. Mas é impressionante como governo se esforça para ocupar o lugar de governo e também o de oposição.

— Acha que estão conseguindo? O esforço é grande. Num dia como esta terça-feira, por exemplo, não haveria nada mais importante para o ministro Paulo Guedes fazer do que vir à Câmara. Estava combinado. Se ele é tão convicto da reforma que propôs, deveria comparecer e expor as suas razões, dando um show. Preferiu faltar. Ficamos sabendo que ele não viria em cima da hora. Agora, diz que virá na próxima quarta-feira. Ao mesmo tempo, enquanto o ministro fugia dos deputados, o presidente da República ia ao cinema. É muito grave. Então, não há dúvida de que querem fazer a oposição desnecessária. Mas isso só aumenta a nossa responsabilidade, porque a oposição tem que mostrar ao país o que ela propõe no lugar.

— Acha que a oposição está mostrando planos alternativos? Esse é o desafio que está colocado para a gente.

— Por que votar contra a reforma da Previdência? Há diferenças dentro da oposição sobre o tema da Previdência. Há partidos que entendem que são necessárias algumas mudanças. Há outros que acham que não tem que fazer nada.

— O seu partido, o PSB, acha o quê? Nós achamos que é preciso fazer algumas mudanças. Não negamos a importância desse debate.

— Ajustando-se a proposta do governo é possível votar a favor? Não. Seria necessário fazer outra proposta.

— Por quê? Achamos que é preciso evitar que a reforma da Previdência agrave a principal chaga do país, que é a desigualdade. Algo em torno de 80% da economia pretendida com essa reforma viria do regime geral. Não é verdade que esta seja uma reforma que acabe com privilégios, pois os privilegiados não estão no regime geral. Mas não ignoramos que é preciso fazer mudanças.

— Acha que a reforma deveria ser mais draconiana com os servidores públicos? Não. Avaliamos que as mudanças propostas no regime geral teriam que ser amenizadas. Quanto ao serviço público, o problema maior está na transição. Desde 2003 que os servidores já não têm aposentadoria integral e paridade com o pessoal da ativa. Desde 2013 que o teto deles foi igualado ao teto do regime geral. Quem entrou depois de 2013, não tem aposentadoria superior ao teto do regime geral, a menos que recolha para um fundo por fora. Então, o problema do serviço público é o estoque, são os servidores que estavam na folha antes de 2003 e antes de 2013. No nosso entendimento é possível pactuar algum regime de transição para atenuar o custo desse estoque. É possível discutir. Mas não dá para aceitar que uma pessoa que teria que trabalhar mais dois anos para se aposentar tenha que trabalhar mais 12 anos. Isso não parece razoável. Precisaríamos construir uma transição aceitável.

— Acha possível obter uma economia mínima de R$ 1 trilhão, como deseja o ministro Paulo Guedes? Se o problema do Paulo Guedes é chegar a R$ 1 trilhão, há como arrecadar esse dinheiro de outras formas. Por exemplo: há pouco mais de um ano, foi aprovada no Congresso uma medida provisória que ficou conhecida como MP do trilhão. Era uma MP que concedia desonerações para petroleiras estrangeiras. Tudo bem que o trilhão seria perdido na arrecadação ao longo de 20 anos. Mas se essa MP fosse revogada, faríamos algum esforço fiscal. Há também um consenso quanto à necessidade de debater sobre a tributação de lucros e dividendos. Todos os candidatos à Presidência falaram sobre isso.

— Sua tese é que seria possível chegar à economia de R$ 1 trilhão por outras vias? Exatamente. É possível buscar esse resultado fiscal combinando-se uma reforma da Previdência, cuja necessidade nós não negamos, com complementos fiscais obtidos por meio de outras medidas de justiça tributária. Por que no Brasil quem ganha menos sempre tem que pagar a conta?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.