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Josias de Souza

Ministros desfilam pelo Congresso como exonerações esperando para acontecer

Josias de Souza

28/03/2019 03h39

Num único dia, desfilaram pelo Congresso quatro ministros. Dois integram a ala dos superpoderosos: Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Outros dois compõem a banda circense do governo: Vélez Rodrigues (Educação) e Ernesto Araújo (Itamaraty). Eles têm algo em comum: todos conduzem gestões juradas de morte como se estivessem cheios de vida. A diferença é que Guedes e Moro olham discretamente para a porta de emergência com cara de mortes prematuras. Vélez e Araújo fogem da saída de incêndio com semblante de mortes procrastinadas.

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Paulo Guedes escancarou o jogo na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado: "Estou aqui para servi-los [ao presidente e ao Legislativo]. Se ninguém quiser o serviço, vai ser um prazer ter tentado, mas não tenho apego ao cargo, desejo de ficar a qualquer custo. Como também não tenho a inconsequência e a irresponsabilidade de sair na primeira derrota."

Sergio Moro foi mais sutil. Trama-se na Câmara retirar do seu pacote de projetos o pedaço referente à corrupção. Indagado na Comissão de Justiça do Senado se concordaria com a providência em nome de uma aprovação célere, o ex-juiz da Lava Jato afirmou: "Nenhum deputado ou deputada me solicitou a retirada das provisões da corrupção do projeto. Eu, particularmente, se houvesse uma solicitação dessa espécie, jamais concordaria."

O chanceler Ernesto Araújo, uma das mortes procrastinadas do governo, cuidou de envernizar sua estabilidade no emprego de ministro ao bater continência para o discurso de Jair Bolsonaro na Comissão de Relações Exteriores da Câmara: "Vossa Excelência me perguntava se eu considero 1964 um golpe. Eu não considero um golpe. Considero que foi um movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura. Não tenho a menor dúvida disso. Essa é minha leitura da história." Disse isso ao lado do deputado Eduardo 'Zero Três' Bolsonaro.

Vélez Rodriguez, autoconvertido numa espécie de ex-ministro ainda no exercício do cargo, revelou na Comissão de Educação da Câmara uma disposição para fincar raízes na Esplanada. "Muitos pediram para eu sair, mas não vou sair. Por que é um passeio às ilhas gregas? Não. O cargo é um abacaxi do tamanho de um bonde. Mas topei o convite porque quero devolver ao meu país o que ele fez por mim."

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Bolsonaro poderia desobrigar o colombiano naturalizado Vélez desse seu desejo de restituir o que o Brasil fez por ele. Mas o amor do ministro da Educação pelo caos administrativo é plenamente correspondido pelo presidente. Num post levado às redes sociais nesta quarta-feira, Bolsonaro tachou de "fake news" as suposições de que ele poderia enviar Vélez para o olho da rua.

Se a passagem de Guedes, Moro, Araújo e Vélez pelo Congresso revelou alguma coisa foi o seguinte: com três meses de existência, o governo de Jair Bolsonaro exibe uma inquietante aparência de fim de festa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.