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Josias de Souza

Bolsonaro votou a favor de lista tríplice para PGR

Josias de Souza

08/04/2019 03h06

Jair Bolsonaro insinua que, na sucessão da procuradora-geral da República Raquel Dodge, pode ignorar a lista tríplice com os nomes mais votados numa eleição interna dos procuradores. Se fizer isso, o presidente renegará a opinião que tinha sobre o tema quando era deputado federal. Numa sessão realizada na Câmara em 12 de abril de 2000, Bolsonaro votou a favor de proposta que tornava a lista tríplice uma exigência constitucional. A ideia foi refugada por 278 votos a 157.

Discutia-se na época uma emenda constitucional de reforma do Judiciário. Relatora da proposta, a então deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP) concedeu status constitucional à lista tríplice para a escolha do chefe da Procuradoria. Entretanto, o então PFL, hoje rebatizado de DEM, apresentou uma emenda para suprimir a novidade do texto. Foi nessa votação que Bolsonaro disse "sim" à lista tríplice que agora ameaça desprezar.

Bolsonaro estava filiado na época ao PPB (que virou PP e, engolfado pelo petrolão, tornou-se Progressistas). Seu voto contrariou a orientação da legenda, tamanha era sua convicção quanto à necessidade de assegurar aos procuradores a prerrogativa legal de oferecer ao presidente da República uma lista com os três nomes preferidos da corporação. Os debates e o resultado da votação estão disponíveis na edição do Diário da Câmara de 13 de abril de 2000. A lista com os votos de cada deputado começa na página 15.785. O voto de Bolsonaro aparece na folha 15.791

Os dados foram colecionados em pesquisa feita por Vladimir Aras, procurador Regional da República em Brasília. Ele é um dos pré-candidatos à sucessão de Raquel Dodge, cujo mandato termina em setembro.

Ironicamente, a sessão em que Bolsonaro prestigiou a lista tríplice foi comandada por Michel Temer. Como presidente da Câmara, Temer exerceu na sessão de 2000 a prerrogativa de não votar. Como presidente da República, coube a ele indicar, em 2017, a pessoa que substituiria o então procurador-geral Rodrigo Janot. Temer prestigiou a lista tríplice da Procuradoria. Não escolheu, porém, o primeiro colocado. Raquel Dodge foi a segunda mais votada na eleição interna dos procuradores.

Na Era dos governos petistas, iniciada em 2003, Lula e Dilma não só acataram a lista tríplice como indicaram o nome mais votado na eleição interna do Ministério Público Federal. Embora não seja uma exigência legal, o hábito deu à metodologia de substituição dos procuradores-gerais ares de tradição. Após ser referendado pelos colegas e indicado pelo presidente, o escolhido precisa ser sabatinado e aprovado pelo Senado.

Antes de Lula e Dilma, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso indicou o procurador-geral que lhe pareceu mais conveniente. Em 2000, quando a Câmara se negou a transformar a lista tríplice em exigência constitucional, o procurador Geraldo Brindeiro exercia seu terceiro mandato à frente da Procuradoria. Seria indicado por FHC uma quarta vez. Reinou no Ministério Público de junho de 1995 a junho de 2003. Ficou conhecido pelo apelido de engavetador-geral da República.

A má fama de Brindeiro impulsionou o respeito à lista tríplice. Depois dele, todos os presidentes pinçaram o procurador-geral da relação avalizada pelos procuradores. No novo governo, além de flertar com a ideia de ignorar a lista, Bolsonaro parece não descartar a hipótese de acomodar na chefia da Procuradoria alguém de fora da corporação.

Na semana passada, o advogado-geral da União, subordinado direto do presidente, afirmou que a poltrona de procurador-geral não é exclusiva para membros do Ministério Público Federal. Para ele, o posto pode ser ocupado por procuradores de qualquer ramo do Ministério Público da União (MPU), que engloba também os ministérios públicos Militar, do Trabalho e do Distrito Federal.

"Constitucionalmente, qualquer dos membros dessas carreiras tem legitimidade para ocupar a função de procurador-geral da República", disse Mendonça. A declaração deixou alvoroçados os procuradores da República. Eles receiam que o advogado-geral esteja insuflando um balão de ensaio empinado por Bolsonaro.

Veja abaixo trechos dos registros do Diário da Câmara sobre a sessão em que Bolsonaro votou a favor da legalização da lista tríplice da Procuradoria. Votaram contra a inclusão da lista na proposta de reforma do Judiciário 278 deputados. Votaram a favor da lista 157, entre eles Bolsonaro. Houve duas abstenções. No quadro abaixo, você vê a totalização dos votos, a orientação dos partidos às suas respectivas bancadas e o voto do então deputado Jair Bolsonaro.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.