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Josias de Souza

Capitão já não usa combustível do Posto Ipiranga

Josias de Souza

12/04/2019 19h17

"Não sou economista, já falei que não entendia de economia, quem entendia afundou o Brasil, tá certo?" Sim, está certo, Jair Bolsonaro já havia reconhecido sua deficiência. Mas estava entendido que o capitão se abasteceria nas bombas liberais do seu Posto Ipiranga sempre que tivesse de tomar decisões econômicas. Ao ignorar os ensinamentos de Paulo Guedes, a ignorância de Bolsonaro impôs à Petrobras uma perda em valor de mercado de R$ 32,4 bilhões.

Cavalgando sua falta de conhecimentos, o capitão achou que seria uma boa ideia tocar o telefone para o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Baixou na noite de quinta-feira uma espécie de ato institucional, determinando o cancelamento de um reajuste no preço do óleo diesel, anunciado horas antes pela estatal. O mercado sentiu no ar uma fragrância de Dilma Rousseff. E as ações da estatal despencaram.

Paulo Guedes está em Washington, para reuniões com o FMI e Banco Mundial. Seu amigo Castello Branco voou para Chicago depois de ser abalroado pelo telefonaço de Bolsonaro. Participa até segunda-feira de um encontro sobre mercados emergentes. Terão muito a explicar. O intervencionismo do presidente deixou sem nexo o liberalismo de ambos.

As leis da economia são implacáveis. A política de reajustes da Petrobras segue a variação do preço do óleo no mercado internacional e a oscilação do dólar. Se as cotações caem, o preço dos combustíveis move-se para baixo. Se elas sobem, o preço aumenta.

Pode-se, evidentemente, modificar essa sistemática. Mas a margem de manobra é estreita. E sempre será indispensável deixar claro para o mercado que tipo de brinquedo será colocado no lugar da gangorra atual. Telefonemas noturnos do Planalto para a Petrobras não fazem parte do jogo. Esse filme já foi exibido sob Dilma. Adicionou ao enredo da roubalheira um controle de preços que ajudou a levar a Petrobras à breca.

Ironicamente, Paulo Guedes gosta de relatar uma conversa que teve com Dilma. Insinua que ela o convidou para participar do governo quando o processo de derretimento do mandato presidencial já estava avançado.

Dilma contou que demitiria o então ministro Joaquim Levy (Fazenda). Guedes diz ter desaconselhado. O problema não era Levy, mas o modelo implantado sob Dilma. Nas palavras de Guedes, a ex-presidente petista não cometeu nenhum erro novo, só erros velhos —entre eles o equívoco do controle artificial de preços. Dilma virou cuidadora dos netos, Guedes tornou-se czar da economia e Levy dá expediente como presidente do BNDES.

Por uma trapaça do destino, Bolsonaro revela ao seu ministro da Economia que é errando que se aprende… a errar. Restou demonstrado que o capitão já não honra o compromisso de usar o 'Posto Ipiranga' para abastecer o seu vazio intelectual. Com três meses de mandato, Bolsonaro foi colocado de joelhos pelos caminhoneiros.

Resta agora saber se Paulo Guedes terá fôlego para enquadrar o presidente ou se preferirá chamar o caminhão de mudança.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.