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Josias de Souza

‘Grilhões de barbante’ unem Bolsonaro a Guedes

Josias de Souza

13/04/2019 04h17

O "casamento hétero" que Jair Bolsonaro diz manter com Paulo Guedes é o triunfo da esperança sobre a lógica. Sem que lhe perguntassem, o ministro da Economia declarou numa comissão do Senado, em 27 de março, que não tem apego ao cargo. Sairá de cena se notar que seu "serviço" não é desejado, esclareceu. Pois o presidente da República parece empenhado em testar os limites do seu auxiliar, reforçando a impressão de que a felicidade conjugal é uma utopia.

O telefonaço com que Bolsonaro impôs à Petrobras uma perda em valor de mercado de R$ 32,4 bilhões foi a segunda bola quadrada que o capitão lançou nas costas de Guedes em 100 dias de governo. A primeira foi a desavença gratuita que eletrificou as relações do Planalto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Para Guedes, o entrevero não serviu senão como estorvo à tramitação da reforma da Previdência, sua prioridade.

No novo desafio à paciência de Guedes, Bolsonaro insinua que a felicidade conjugal só é possível a três. No momento, o intervencionismo do capitão trai o ultraliberalismo do velho de Chicago numa aventura extramatrimonial com os caminhoneiros. Com um peteleco telefônico, Bolsonaro forçou a Petrobras a recuar num reajuste do preço do diesel. O presidente pulou a cerca num instante em que seu ministro vende o "novo Brasil" em Nova York.

Alcançado pelas câmeras e refletores, o Posto Ipiranga travou com os repórteres um diálogo constrangedor. Coisa de ministro traído.

— O presidente Bolsonaro consultou o senhor?

— Eu passei o dia inteiro trabalhando. Não tenho informação suficiente.

— Mas então o senhor não foi consultado? Se o senhor não sabe, o senhor não foi consultado.

— Eu tenho um silêncio ensurdecedor para os senhores.

— O sr. não foi consultado, ministro?

— Um silêncio ensurdecedor sobre o assunto.

Distanciando-se dos holofotes, Paulo Guedes deixou escorrer dos lábios um derradeiro comentário. Classificou de "inferência razoável" a suposição de que Bolsonaro não o consultou antes de intervir na política de preços da Petrobras.

Ao perceber que a economia não aguenta desaforos, Bolsonaro correu ao Twitter, seu habitat natural. Num exercício de cinismo, tentou enquadrar seu ato institucional contra o reajuste do diesel num ambiente de normalidade econômica: "Nossa política é de mercado aberto e de não intervenção na economia." Hã, hã…

Bolsonaro ensaiou a coreografia de um meia-volta, volver: "O presidente da Petrobras, após nos ouvir, suspendeu temporariamente o reajuste. Convoquei os responsáveis pela política de preços para reunião, junto com os ministros da Economia, Infraestrutura e Minas e Energia."

Na noite desta sexta-feira, o executivo de uma corretora paulista telefonou para um amigo que integra a equipe de Paulo Guedes. Queria informações sobre o futuro do relacionamento do ministro com o presidente. Ouviu uma resposta incômoda e inconclusiva. O auxiliar da pasta da Economia declarou que transborda no ministro a "disposição para o trabalho". Mas acrescentou que a equipe econômica convive com a impressão de que Bolsonaro está unido a Guedes por "grilhões de barbante."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.