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Josias de Souza

Afirmações de Toffoli justificariam censurar Toffoli

Josias de Souza

18/04/2019 15h46

Dias Toffoli, o presidente do Supremo Tribunal Federal, concedeu um par de entrevistas. Falou ao jornal Valor Econômico e à Rádio Bandeirantes. Manifestou-se sobre a censura à reportagem em que ele ficou mal na foto. Levadas ao pé da letra, as palavras de Toffoli justificariam a imposição da censura ao próprio Toffoli.

O ministro declarou: "Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim."

De fato, é simples como o ABC. Só que na contramão do que alega Toffoli. A, Marcelo Odebrecht foi instado pela Polícia Federal a informar quem é o "amigo do amigo do meu pai". B, o delator disse que o nome escondido atrás do pseudônimo é o de Toffoli. C, a revista Crusoé foi censurada por divulgar os fatos.

Aplicando-se o raciocínio de Toffoli contra o próprio Toffoli, poder-se-ia afirmar o seguinte: "Se um magistrado pede a censura de notícia baseada em documento oficial no qual um delator insinua que ele é criminoso, que pode ter participado de um esquema, o magistrado censor tem que ser desligado da tomada. Ponto. Simples assim."

Toffoli refere-se ao episódio como uma grande conspiração contra a Suprema Corte: "É ofensa à instituição à medida que isso tudo foi algo orquestrado para sair às vésperas do julgamento em segunda instância. De tal sorte que isso tem um nome: obstrução de administração da Justiça."

Na versão de Toffoli, a trama anti-STF incluía enfiar os esclarecimentos de Marcelo Odebrecht à Polícia Federal num inquérito da Lava Jato, que corria em Curitiba. "O documento dá entrada na Justiça no dia 9 de abril. Curiosamente, o dia 10 de abril era o dia em que ia ser julgado a segunda instância. É muito curioso isso, não é? Interpretem como quiserem."

Realmente, é tudo muito curioso, pois as palavras de Toffoli não fazem nexo. O julgamento em que o Supremo discutiria pela quinta vez a jurisprudência que autorizou a prisão de larápios condenados em segunda instância foi adiado por Toffoli. A notícia sobre o adiamento foi confirmada pelo Supremo em 4 de abril.

Quer dizer: as explicações de Marcelo Odebrecht pousaram no inquérito de Curitiba cinco dias depois de Toffoli ter cancelado o julgamento que o mesmo Toffoli agora apresenta como alvo dos conspiradores. Ou a conspiração anti-Supremo perdeu a noção do tempo ou Toffoli perdeu o senso do ridículo.

A tese da conspiração não é boa. Mas é preciso reconhecer que essa versão de que o Ministério Público e a Polícia Federal se associaram ao condenado Marcelo Odebrecht num complô contra o Supremo é mais confortável para Toffoli.

A alternativa ao complô seria admitir que tudo o que está na cara não pode ser uma conspiração da lei das probabilidades contra um magistrado inocente que recorre à censura para proteger sua reputação imaculada e resguardar a imagem da instituição que preside.

A verdade é que a orquestração de que Toffoli se diz vítima realmente existe. Só que os conspiradores são outros: o próprio Toffoli, que usa inquérito sigiloso que ele mesmo abriu para censurar reportagem em que ele é a estrela; Alexandre de Moraes, o relator que se presta ao papel de conduzir a pantomima; e os ministros do Supremo que, à exceção de Marco Aurélio Mello, assistem calados à escalada de atrocidades jurídicas.

Tomado pelas palavras, o Dias Toffoli das entrevistas ao jornal Valor Econômico e à Rádio Bandeirantes deveria ser censurado. Ou, pelo menos, vendido nas bancas em envelopes de plástico preto e levado ao ar depois da meia-noite, com um aviso de proibição para menores de 100 anos de idade.

— Atualização feita às 17h51 desta quinta-feira (18): O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito secreto aberto no Supremo por decisão de Dias Toffoli, revogou a censura que havia sido imposta à revista eletrônica Crusoé e ao site O Antagonista.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.