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Josias de Souza

Vitória na CCJ escancara a fraqueza do Planalto

Josias de Souza

24/04/2019 02h35

Rodrigo Maia cumprimenta o presidente da CCJ, Felipe Francischini, após a proclamação do resultado

Em sessão encerrada perto da meia-noite, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) atestou a constitucionalidade da proposta de reforma da Previdência. Foi a primeira vitória de Jair Bolsonaro no Legislativo. O placar eletrônico registrou um resultado confortável: 48 votos pró-reforma, apenas 18 contra. Paradoxalmente, a vitória escancarou não a força, mas a fragilidade do Planalto. Exibiram os músculos o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e os líderes do centrão.

A sessão durou quase nove horas. Nos momentos decisivos, Maia trocou a calmaria do seu gabinete de presidente pelo lufa-lufa da comissão. Proclamado o placar, ele pintou o quadro: "O resultado mostrou uma afirmação da Câmara em relação a essa matéria, mas daqui pra frente a gente precisa do governo", declarou, já no início da madrugada desta quarta-feira. Foi curto e grosso ao projetar os estágios que estão por vir: "O goveno não tem votos."

Bolsonaro está nas mãos de Maia e, sobretudo, dos partidos do centrão. Desde que assumiu, há quase cinco meses, o capitão exibiu talento extraordinário para embaralhar as cartas. O centrão passou a dar as cartas. Legendas como PP, PR, PRB, PSD, PSC e congêneres como o DEM mostraram que, dependendo do comportamento de Bolsonaro, podem ser a favor de tudo ou contra qualquer coisa. MDB e PSDB viraram farinha que o centrão aproveita no seu pirão.

"A gente precisa que o governo tenha uma base [legislativa]", declarou Rodrigo Maia. Solícito, o presidente da Câmara não falou para os repórteres. Ele usou microfones e gravadores como megafones para endereçar recados a Bolsonaro: "O sistema democrático não é o sistema autocrático, em que o presidente impõe a sua posição. Vivemos numa democracia."

A votação expressiva da CCJ "reafirma a nossa democracia", prosseguiu Maia. O que se viu aqui foi "uma Câmara forte, votando independentemente do governo. Mas chega uma hora que é fundamental o governo participar." O mandarim da Câmara declarou, com outras palavras, mais ou menos o seguinte: ou Bolsonaro entra em campo ou vai tomar uma goleada na comissão especial a ser instalada nos próximos dias para analisar o mérito da reforma previdenciária. Arrisca-se a chegar ao plenário da Câmara com uma proposta desidratada, sem a densidade necessária para prover a desejada economia de R$ 1 trilhão em dez anos.

Para mostrar quem está no comando, o centrão impôs ao Ministério da Economia o constrangimento de ceder a quatro exigências de mérito numa fase em que se discutia apenas a constitucionalidade da reforma. Essas alterações, contudo, constituem mero pretexto para sinalizar o que pode acontecer se o governo não cumprir o compromisso celebrado à sombra de levar ao balcão cargos graúdos e verbas orçamentárias.

Ou seja: essa conversa toda, esse idealismo todo, essa vontade de assegurar a aposentadoria das gerações futuras, essa ânsia de controlar o déficit fiscal, essa entrega altruísta à causa da retomada do crescimento econômico, esse sacrifício pela causa da criação de novos empregos, tudo isso está impulsionado pelos únicos sons capazes de seduzir a banda fisiológica do Legislativo: o tilintar das verbas orçamentárias e o roçar da caneta presidencial nos atos de nomeação de apaniguados.

Sob Michel Temer, um centrão bem alimentado aprovou em sete dias a proposta de reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Só não levou a mercadoria até o plenário porque o grampo do Jaburu impôs a Temer outra prioridade: salvar o próprio pescoço. Com Bolsonaro, a fase da CCJ consumiu arrastados dois meses. Nos próximos dias, a velocidade do centrão vai indicar que jogo Bolsonaro decidiu jogar.

Nas palavras de Maia, já não basta a Bolsonaro dizer que é contra a reforma da Previdência, mas sabe que o país quebra sem ela. "Ele precisa ter a certeza de que a aprovação da reforma é boa para o Brasil", afirmou. "[…] É importante que o governo assuma esse papel com clareza. Ponha ar dentro do peito e diga: a reforma é importante para o Brasil e para os brasileiros."

A reforma é importante também para os brasileiros que integram o centrão.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.