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Josias de Souza

Para FHC, general Mourão ‘fala coisas sensatas’

Josias de Souza

25/04/2019 04h21

Carlos Bolsonaro e sua tropa digital ganharam um motivo adicional para atacar o general Hamilton Mourão. O vice-presidente de Jair Bolsonaro foi elogiado por Fernando Henrique Cardoso: "Fala coisas sensatas. No Brasil, isso já é muita coisa." Para o grão-mestre do tucanato, o problema não está nas manifestações do vice, mas na insegurança dos que enxergam suas manifestações como uma ameaça.

Em entrevista ao Jornal da Gazeta, na noite desta quarta-feira, FHC afirmou: "Não vejo que ele [Mourão] esteja articulando. É medo dos que estão no governo. A coisa está tão incerta que eles ficam imaginandio que isso possa acontecer. Não é que esteja acontecendo. Ele está sendo normal. Está dizendo o que pensa. Eu acho que todo mundo tem o direito. Você pensa que eu concordava sempre com as ideias do Marco Maciel e ele com as minhas? Não. Mas respeitávamos."

Instado a comentar a interferência dos familiares do presidente no governo, FHC insinuou que o fenômeno decorre de uma debilidade de Jair Bolsonaro: "Por que as famílias aparecem? Está faltando um chefe, não é? Que o chefe fale com mais força ao país." E quanto à influência do guru Olavo de Carvalho? "Esse Olavo, não quero falar mal porque não li [seus livros], não sei. Para mim, não existe."

FHC acrescentou: "Não conheço [Olavo de Carvalho], nunca ouvi falar. E olha que eu vivo nos Estados Unidos. Nunca ouvi falar dele." Na opinião do ex-presidente tucano, o guru da família Bolsonaro e seus seguidores espantam-se com as assombrações erradas. "inventaram inimigos. É uma espécie de cruzada contra fantasmas. […] Vêem comunismo por todo lado, o globalismo para todo lado. Mas o que é isso, meu Deus? Vamos ser mais concretos, mais sensatos. O governo está meio disparatado."

No início de abril, FHC encontrou-se com Mourão num seminário sobre Brasil, na universidade americana de Harvard. "Eu tive boa impressão dele, porque ele é normal, fala coisas sensatas." Perguntou-se a FHC se as reações às falas de Mourão podem ser motivadas pelo receio de que ele esteja em campanha para 2022. E o entrevistado: "Bom, se for campanha para a próxima eleição é direito dele. Qualquer brasileiro tem esse direito."

FHC resumiu assim a visão que tem de Mourão: "É uma pessoa desabrida. Ele diz o que pensa. Não acho mau, acho bom que ele diga o que pensa. Posso concordar ou não, mas ele diz o que pensa com certa espontaneidade. Por um lado é positivo. Acho que o vice presidente não deve conspirar contra o presidente."

Para FHC, a disciplina da farda inibe comportamentos inadequados do vice. "O general Mourão é militar. As corporações têm lá os seus problemas, mas também têm suas vantagens. Não é fácil você conviver depois com seus colegas se você agir errado." Há no governo de Jair Bolsonaro oito ministros egressos das Forças Armadas.

FHC falou também sobre a reforma da Previdência. Considera a aprovação da proposta indispensável. "Não é o caso de ser a favor ou contra o governo, mas a favor do Brasil. Tem que olhar a perspectiva da continuidade do funcionamento do Estado." Lamentou que Bolsonaro não brigue pela reforma com a mesma intensidade que seu ministro da Economia, Paulo Guedes.

"Se não fizer todo o empenho não aprova", afirmou. Avalia que Guedes "tem feito empenho." Disse ter assistido às exposições do ministro no Congresso. "Não é fácil, é difícil. Mas ele é uma pessoa que me pareceu sincera. Posso não estar de acordo com as ideias dele, depende de quais ideias. Mas acho que ele está tentando passar um sentimento."

Dá-se o oposto com Bolsonaro, disse FHC. "Não se está vendo esse empenho. Mesmo porque a posição dele no passado era outra. Votava contra todas as reformas. É difícil."

Sobre a notícia de que o governo ofereceu R$ 40 milhões em emendas orçamentárias em troca de apoio dos parlamentares à reforma previdenciária, FHC fez um comentário pragmático: "O velho toma-lá-dá-cá faz parte do jogo, mas não pode ser o jogo. Como você sai dessa armadilha? É preciso que tenha valores, que o presidente fale à nação, não é falar ao Congresso só. Quando o presidente está bem com a nação, isso se reflete no Congresso."

Sob Bolsonaro, prosseguiu FHC, "o governo veio com uma ideia: a velha política. Bom, é a política. A política implica em negociação. Se você demonizar a negociação está mal. Agora, a negociação não é corrupção. Se você não me der isso, não te dou aquilo. Aí fica difícil. Não é a coalizão em si, é o que eu chamo de presidencialismo de cooptação."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.