Sergio Moro corre risco real de perder o Coaf
Nos subterrâneos do Congresso, a retirada do Coaf das mãos de Sergio Moro é tratada como jogo jogado. A articulação cresceu sem que o Planalto esboçasse reação. Aplica-se ao caso a lógica da pedra jogada do alto de uma montanha. Seu primeiro movimento é lento. Quanto mais a pedra desce, mais peso toma, redobrando a velocidade da queda. É difícil deter uma pedra que, não tendo sido contida na origem, já esteja na bica de cair sobre a cabeça do seu alvo.
A banda enrolada do Congresso emite há mais de dois meses sinais de que trataria os superpoderes de Moro como um pernil a ser fatiado. Bolsonaro e seus operadores fingiram-se de mortos. E o prestígio de Moro vai sendo servido em fatias. A criminalização do caixa dois escorregou do pacote anticrime para um projeto à parte, mais fácil de ser ignorado. O resto do embrulho saiu de cartaz. A reforma da Previdência tornou-se atração única. Agora, o Coaf.
Por trás da sigla há um órgão temido pelos políticos: o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Fornece ao Ministério Público, à Receita e à Polícia Federal informações sobre movimentações bancárias suspeitas. Migrou da pasta da Economia para o Ministério da Justiça no âmbito da medida provisória 870, que Bolsonaro editou no primeiro dia do seu governo, para remodelar a Esplanada dos Ministérios. Se não for aprovada até 3 de junho, perde a validade.
No caso do Coaf, legendas do centrão —PP, PR e assemelhados— uniram-se a partidos da oposição —PT, PCdoB e similares— no propósito de privar Moro do controle do arsenal do Coaf. Juntaram-se ao grupo congressistas que, não tendo contas a acertar com a Justiça, abraçaram a tese segundo a qual a acomodação de órgãos como o Coaf e a Polícia Federal sob um mesmo guardachuva não faz bem ao sistema de freios e contrapesos que deve vigorar numa democracia.
Moro opera em outra sintonia. "O COAF é órgão de inteligência contra a lavagem de dinheiro", diz ele. "Não se combate o crime atualmente sem enfrentar a lavagem de dinheiro. Tem que confiscar e asfixiar economicamente o crime organizado. Corrupção também." Daí a conveniência de manter o órgão na Justiça. Até porque, afirma o ministro, seu colega Paulo Guedes não quer o Coaf de volta no organograma da Economia.
O titular da Justiça assegura que redobrou "o cuidado com a preservação dos dados do cidadão, sem vazamentos." Moro diz que seu "objetivo é proteger o cidadão contra o crime e não expor dados privados indevidamente e prematuramente." A pregação do ministro contrasta com o esforço do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para brecar na Justiça, por ora sem sucesso, o caso Queiroz.
Ironicamente, o filho 'Zero Um' do presidente da República alega que seu sigilo bancário foi quebrado ilegalmente na investigação que envolve Fabrício Queiroz, o ex-assessor que drenou parte dos contracheques dos funcionários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O processo corre em segredo. O que se sabe, por ora, é que Fabrício foi pilhado pelo Coaf com uma movimentação bancária suspeita de R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017. Sabe-se também que ele borrifou R$ 24 mil na contra da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A presença da família Bolsonaro no noticiário político-policial reforça a convicção da ala lavajatista do Legislativo de que o Coaf não pode ficar sob as ordens de Moro. Prolifera entre os parlamentares a lógica do medo. Se a família real não está a salvo, quem estará?, perguntam-se culpados e cúmplices.
Nesta segunda-feira, instado pelos repórteres a revelar a posição do presidente, o porta-voz do Planalto, Otávio Rêgo Barros, deu a entender que o Coaf já não está na Justiça. Subiu no telhado.
"A posição do senhor presidente da República neste momento é de manutenção do Coaf junto ao Ministério da Justiça", disse o porta-voz. "Estudos prosseguem no sentido de analisar se essa decisão inicial do nosso presidente deve ser referendada ou eventualmente retificada."
Líderes partidários avisam ao ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil): ou Bolsonaro "retifica" sua posição, liberando o relator Fernando Bezerra (MDB-PE), seu líder no Senado, para ajustar o texto da medida provisória, ou o Coaf será "retificado" na marra. No limite, trama-se derrotar o governo no voto.
Como juiz, Sergio Moro mandava nos autos. Como ministro, descobre da pior maneira que também está sujeito à condição humana.
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