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Josias de Souza

Sobrevida de Maduro deixou Juan Guaidó zonzo

Josias de Souza

02/05/2019 19h40

A entrevista da repórter Sylvia Colombo com Juan Guaidó é esclarecedora e alarmante. Esclarece porque expõe o beco sem saída em que se encontra o entrevistado. Alarma porque, sendo Guaidó a única porta visível para uma saída negociada da ditadura, seu desnorteio mantém sobre a mesa as opções sanguinárias: da guerra civil à intervenção militar externa.

Guaidó reconhece o óbvio: "Há um elemento fundamental nesses processos de sair de uma ditadura para a democracia que é a adesão das Forças Armadas." Ficou entendido que blefou ao dizer na terça-feira que obtivera apoio expressivo dos militares. "Há insatisfação nas Forças Armadas? Sim, é óbvio. É o suficiente? Não."

A falta de rumo fica evidente em comentários como esse: "A ideia é ir somando cada vez mais gente a esse processo, nem que tome tempo." Ou esse: "Sim, um cidadão pode se cansar por um tempo, mas seu descontentamento com a situação seguirá, e ele voltará às ruas… Pode haver altos e baixos nas mobilizações, mas seguiremos sendo maioria."

Guaidó sustenta: "Pela Constituição, eu sou o presidente encarregado da Venezuela." É reconhecido por meia centena de países. Mas o fato é que não conseguiu se encarregar de uma mísera repartição pública.

Sobre o recrudescimento da repressão, Guaidó declara: "Esse tipo de atuação repressiva é a única coisa que o regime tem hoje. Eles tentam demonstrar um controle que não têm. Por isso reprimem…" Ora, Maduro só reprime porque comprou o apoio que interesse a um ditador —o apoio da força armada.

A conjuntura venezuelana migra perigosamente da fervura das manifestações pacíficas para o banho-maria de uma repressão ainda mais sanguinolenta. Confirmando-se o pior cenário, Guaidó pode virar um asterisco. Não é sem motivo que Maduro deixa solto o autoproclamado presidente enquanto se equipa para devolver à cadeia o mentor de Guaidó: Leopoldo López, refugiado na embaixada da Espanha em Caracas.

Mandachuva do partido Vontade Popular, Lópes é mais incisivo e carismático do que seu pupilo. No momento, o melhor que poderia acontecer para Maduro seria uma disputa entre criador e criatura pela liderança de uma oposição já bem fragmentada.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.