Bolsonaro e Araújo adotam diplomacia do tranco
A diplomacia traz no nome a essência da atividade. Para funcionar, precisa ser macia. Sem querer, Jair Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo ofereceram a um grupo de novos diplomatas do Itamaraty, em cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco, uma oportunidade singular de evoluir na carreira. Irá mais longe quem fizer o contrário do que ensinou a dupla.
Eis a principal frase do discurso de Araújo: "Diplomacia não significa ficar em cima do muro. Não é ver os grandes embates e aderir ao vencedor. Diplomacia precisa ter sangue nas veias." Aplicando o raciocínio à prática do próprio chanceler, a rapaziada do Rio Branco saberá o que fazer. Basta praticar o avesso.
De fato, não se deve permanecer em cima do muro mais tempo do que o necessário para observar adequadamente a cena. Mas é melhor retardar um pouco mais a decisão do que descer do lado errado do muro. No caso da Venezuela, por exemplo, Bolsonaro e Araújo saltaram no quintal dos Estados Unidos.
Sob o olhar apreensivo dos generais que dão expediente no Palácio do Planalto, a dupla empurrou o Brasil para uma incômoda posição. A posição de um gigante regional que, podendo agir como negociador, abdicou de sua relevância para se tornar uma insignificância diplomática a reboque das conveniências de Donald Trump.
Sim, o diplomata deve ter "sangue na veia". Mas terão maiores chances de êxito os novatos que conseguirem notar que o tipo sanguíneo de Araújo, em sistemática ebulição, não é o mais adequado. O sangue que deve correr nas veias de um bom diplomata é o sangue-frio.
Bolsonaro lecionou: "Quando acaba a saliva, entra a pólvora. Não queremos isso". Em circunstância normal, seria uma boa frase. Transforma-se em temeridade num instante em que Washington insiste em declarar que a intervenção militar na Venezuela é uma "opção sobre a mesa." E o capitão, em vez de exorcizar o fantasma, prefere dizer que a chance de o Brasil se aliar à assombração é apenas "próxima de zero".
Perguntou-se a Bolsonaro se estava pensando na Venezuela ao gastar saliva falando em pólvora. E ele: "Não. A minha preocupação é com a Argentina hoje em dia." O capitão sustenta que, se o voto livre do eleitor argentino devolver Cristina Kirchner ao poder, uma nova Venezuela brotará na vizinhança.
Foi mais uma fenomenal lição às avessas ministrada aos diplomatas noviços. Absorvendo o ensinamento em sentido inverso, aprende-se que o nariz de um diplomata pode brilhar, espirrar e coçar. Mas jamais deve se meter onde não é chamado, sobretudo quando a interferência não serve senão para comparar um país amigo a uma ditadura inaceitável.
Eis a grande lição de Bolsonaro e Araújo: é difícil saber quando uma missão diplomática dará certo. Mas é fácil notar que as erupções de uma diplomacia baseada no tranco não oferecem bons prenúncios.
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