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Josias de Souza

Abraham ‘Cafta’ Weintraub faz Franz Kafka revirar

Josias de Souza

08/05/2019 06h10

Na audiência do Senado em que não conseguiu expor adequadamente os seus planos nem explicar convenientemente os critérios que levaram ao corte llinear do orçamento das universidades, o ministro Abraham Weintraub relatou um drama pessoal. Disse ter arrostado "um processo inquisitorial e sigiloso" na Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp, onde atuou como professor do departamento de Contabilidade. Na sua definição, foi uma coisa típica do "livro do cafta". Ai, ai, ai…

A ideia de um réu que seja silenciado tem, de fato, algo de pesadelo kafkiano. Do modo como contou, Weintraub não se manteve apenas mudo, mas também surdo. O sigilo compulsório não lhe permitiu ouvir, nem mesmo pela voz de um advogado, o jargão incompreensível de uma acusação que diz ter sido inepta. Joseph K., de O processo, réu por excelência, também não entedeu nem se fez entender.

Entretanto, o caso do ministro de Weintraub talvez não se enquadre em Kafka. Está mais para Dostoiévski, com pitadas fortes de Agatha Christie —um surdo-mudo acusado de não se sabe o quê. Inocentado, vira ministro da Educação do governo de um ex-capitão expulso do Exército, por indicação de um assassino de reputações que se faz passar por filósofo. Súbito, passa a desferir tesouradas ideológicas em orçamentos universitários. Chamado a dar explicações, golpeia sua própria reputação ao confundir Kafka, um dos gênios da literatura moderna, com  'cafta' (ou 'kafta'), iguaria de origem árabe, feita de carne moída condimentada, amassada com farinha de trigo e enfiada em espetos.

Weintraub não esclareceu aos membros da Comissão de Educação do Senado quais foram as acusações que lhe fizeram no processo administrativo sigiloso. Limitou-se a dizer que, no final, foi inocentado. Pena. Talvez devesse ser condenado por ter privilegiado o estômago em detrimento do intelecto durante sua vida acadêmica. O barulhinho que se ouve ao fundo requer a abertura de uma investigação. Suspeita-se que seja o ruído de Franz Kafka revirando no túmulo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.