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Josias de Souza

Bolsonaro prevê ‘tsunami’ e eleva nível das ondas

Josias de Souza

10/05/2019 17h28

'Não tinha como dar certo', diz Bolsonaro sobre fisiologismo de gestões anteriores

UOL Notícias

Jair Bolsonaro coloca todo o seu governo a perder. Semeia ondas para colher tsunamis. Comporta-se assim porque viciou-se no ar intoxicado das redes sociais. Ali, recebe aplausos fáceis. Basta passar semanas repetindo que não fará "aliança com a turma da Lava Jato", governará "sem fazer concessões ao toma-lá-dá-cá", e respeitará os "compromissos assumidos com o eleitor."

Depois, ao desgrudar o nariz da tela do celular, esse mesmo presidente firma acordos com políticos sob investigação, entrega anéis para salvar os dedos e continua fazendo pose de limpinho para a plateia da bolha. Tanto é assim que Bolsonaro achou razoável participar de uma reunião com os investigados Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Onyx Lorenzoni e Fernando Bezerra. Nesse encontro, trocou a recriação de dois ministérios pela aprovação da MP que reorganizou o governo. Para divertir a turma da bolha, o capitão distribuiu portes de armas.

Horas depois, Bolsonaro levou uma série de pancadas do centrão. Aprovou-se numa comissão especial a volta dos dois ministérios. E nada de contrapartida. A MP que repaginou a Esplanada foi virada do avesso. Na paulada mais forte, o Coaf foi arrancado de Sergio Moro e devolvido para Paulo Guedes. Foi como se o centrão informasse ao capitão que ele negocia com gente errada, dá pouco perto do que se deseja tomar e flerta com novas derrotas. Perderá inclusive o decreto das armas.

Com água pelo nariz, Bolsonaro veio à boca do palco nesta sexta-feira para declarar o seguinte: "Me elegi e a decisão foi, como havia falado por anos, que não teríamos indicações políticas. Escolhi os nossos ministros por critério técnico. Todos têm 100% de liberdade para escolher seus subordinados. […] E assim estamos governando. Alguns problemas? Sim, talvez tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda certeza. Somos humanos, alguns erram. Uns erros são imperdoáveis, outros não." Ai, ai, ai…

O tsunami a que Bolsonaro se refere é a votação no plenário da Câmara da MP que o centrão virou de ponta-cabeça na comissão. As previsões oscilam entre o ruim e o muito pior. Na primeira hipótese, os deputados aprovam a medida provisória com os retoques feitos na comissão. Na segunda alternativa, o centrão organiza uma obstrução para retardar a votação. O prazo de validade da MP de Bolsonaro vence em 3 de junho. Se caducar, volta a valer o organograma anterior, com 29 ministérios. E o centrão terá mais cargos para reivindicar.

A satanização da velha política, expediente muito útil para um candidato em campanha, perde a serventia quando um presidente recém-empossado envia ao Congresso suas medidas provisórias, projetos de lei e emendas constitucionais. Nessa hora, o governante precisa de votos no Legislativo. A única forma de obtê-los é por meio de negociação. Quem quer tomar alguma coisa precisa expor suas ambições. Quem se dispõe a dar deve estabelecer os seus limites. Fazer jogo de cena não resolve.

A Previdência está falida e a economia permanece sedada. Faltam empregos, dinheiro, escolas que prestem, hospitais que funcionem e segurança nas ruas. Admita-se que Bolsonaro assumiu há quatro meses e não é responsável por tudo isso. Entretanto, ninguém o elegeu no ano passado para que o capitão passesse quatro anos nas redes sociais falando mal da "velha política".

Lula continua preso, Michel Temer amarga sua segunda passagem pela cadeia e Dilma Rousseff aguarda na fila. E a Previdência continua à espera de uma reforma, a economia não reagiu, o desemprego só aumentou, o MEC cortou 30% do orçamento das universidades, os hospitais continuam a mesma porcaria e o brasileiro tem medo de sair às ruas.

Bolsonaro coloca todo o seu governo a perder porque se esquece que sua obrigação é oferecer soluções para velhos problemas, não criar encrencas novas. Para que seu governo dê certo, o capitão precisa mudar-se das redes sociais para o mundo real. Em seguida, deve dedicar-se a atividades triviais. Coisas como, digamos, trabalhar. Mantendo-se no papel de semeador de ondas, chegará ao final do mandato —se chegar— como um enganador que prometeu reformar o país, fracassou e condenou-se a passar o resto da vida queixando-se de ter sido bloqueado pelo Congresso. Esse filme o país já viu. E não gostou.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.