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Josias de Souza

Só no Brasil preso por corrupção indulta corruptos

Josias de Souza

10/05/2019 03h41

Após validar indulto concedido por Temer, STF exibe às lentes da TV Justiça um 'barraco'

UOL Notícias

O brasileiro se espanta cada vez menos. Mas a sorte foi traiçoeira com o Supremo Tribunal Federal. Impossível deixar de espetar pontos de exclamação sobre o mais recente absurdo produzido pelo plenário da Suprema Corte.

Nesta quinta-feira, como se sabe, Michel Temer foi preso pela segunda vez numa ação penal em que é apontado como chefe de organização criminosa. No mesmo dia, o Supremo validou o indulto que o então presidente Temer concedeu em 2017 a todo tipo de criminoso "não violento", inclusive os corruptos.

Repetindo: o Brasil tornou-se um país esquisito, no qual um preso por corrupção, réu em seis ações criminais, vira benfeitor de larápios com o beneplácito da Suprema Corte. Espanto!

O preso assiste à confirmação de um decreto que assinou com o propósito deliberado de perdoar 80% das penas e 100% das multas impostas aos mais variados tipos de criminosos. Cumprindo apenas 20% do castigo, o sujeito pode ir para casa sem se preocupar com as multas. Pasmo!!

O Supremo não se constrange em referendar a extensão do indulto aos condenados por peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, fraudes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Assombro!!!

Por 7 votos a 4, prevaleceu o entendimento segundo o qual o decreto de indulto "é um ato discricionário do presidente da República." Coisa insindicável. Nem mesmo o Pretório Excelso pode rever. Essa tese vencedora foi esgrimida em primeiro lugar por Alexandre de Moraes, ministro indicado por Temer. Estupefação!!!!

Ficou entendido que, doravante, os presidentes da República poderão decretar indultos natalinos ainda mais generosos que o de Temer. Como as peças são intocáveis, o inquilino do Planalto poderá reduzir o cumprimento das penas não para 20%, mas para 1%. No limite, pode abolir a pena. Perplexidade!!!!!

Foi para o beleléu o princípio da separação de Poderes. Diante dos superpoderes atribuídos ao presidente da República, as penas fixadas pelo Legislativo e aplicadas pelo Judiciário viraram asteriscos. Pavor!!!!!!

Tudo isso acontece num país em que o autor do decreto de indulto está preso preventivamente; sua antecessora (Dilma) aguarda no banco dos réus; outro ex-presidente (Lula) cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro; dois ex-chefes da Casa Civil (Dirceu e Palocci) foram condenados por corrupção; um ex-chefe da Secretaria de Governo (Geddel) está preso desde que foi pilhado com R$ 51 milhões num apartamento…

Nesse mesmo país, dois ex-presidentes da Câmara foram presos (Cunha e Henrique Alves); um ex-governador (Cabral) arrasta no sistema prisional a bola de ferro de 198 anos de cana dura; um ex-senador, ex-candidato ao Planalto, hoje deputado federal (Aécio) protagoniza oito processos criminais e uma denúncia por corrupção passiva…

Num cenário assim, tão apodrecido, o aval do Supremo Tribunal Federal ao indulto que o preso Temer concedeu aos larápios condenados revela que o absurdo adquiriu no Brasil uma doce, persuasiva, admirável naturalidade.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.