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Josias de Souza

Centrão trama impor ao governo uma ‘pegadinha’

Josias de Souza

20/05/2019 04h44

Apontados por Jair Bolsonaro como vilões da ingovernabilidade, os líderes do centrão cogitam impor ao governo, no plenário da Câmara, algo muito parecido com uma 'pegadinha'. O plano é repetir a surra que o Planalto levou na comissão que analisou a medida provisória editada por Bolsonaro para reestruturar a Esplanada e reduzir o número de ministérios de 29 para 22. A novidade é que dessa vez a surra seria aplicada com os punhos do PSL, partido do presidente.

A coisa funcionaria assim: majoritário, o centrão se juntaria à minoria governista para aprovar o texto-base da medida provisória, ressalvados os artigos polêmicos. Em seguida, os partidos do centrão entrariam em obstrução, brecando a votação de emendas que visam desfazer a cirurgia plástica executada há quase duas semanas na comissão.

Chamadas tecnicamente de "destaques", as emendas são votadas separadamente. Numa delas, o partido de Bolsonaro propõe, por exemplo, a manutenção do Coaf na pasta da Justiça, sob os cuidados de Sergio Moro. Noutra, sugere retirar do texto da MP o jabuti que amordaçou os auditores da Receita, proibindo-os de comunicar ao Ministério Público a descoberta de crimes como lavagem de dinheiro e corrupção sem autorização judicial.

Vitaminado por sua aliança com a oposição, o centrão poderia simplesmente derrotar no voto, um a um, os "destaques" apresentados por deputados governistas. Mas o grupo prefere cruzar os braços numa obstrução. Sem votos, o Planalto teria de ordenar aos seus aliados a retirada dos "destaques". Do contrário, a medida provisória não poderia seguir para o Senado.

Se não for votada até o dia 3 de junho, a MP perderá a validade. Nessa hipótese, a Esplanada dos Ministérios voltaria a ter as mesmas 29 pastas que ornamentavam o organograma do governo de Michel Temer. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho Zero Três do presidente, escreveu no Twitter que "ninguém vota pela criação de mais sete ministérios pensando no Brasil."

Com sua 'pegadinha', o centrão jogou a batata quente no colo do governo. Desistindo de restaurar o que foi modificado na comissão, o Planalto salva o texto que enxugou a Esplanada. Insistindo na votação dos "destaques", o governo enterra a medida provisória de Bolsonaro. Se a armadilha funcionar, o plenário da Câmara será convertido num ringue sui generis. Nele, o Planalto entra com a cara. O PSL, com os punhos. E o centrão se diverte no papel de plateia de um auto-espancamento.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.